27/04/10

O que dizer sobre Abril?

O Paulo Granja discorda e eu tento clarificar, mantendo a discordância, creio, e talvez aumentando a confusão. Então é assim: a Revolução de Abril pode ser entendida como uma Revolução que é património de todos os portugueses, é claro que sim. Pode mas não deve. Isto é, não vejo o que tenhamos (nós, os revolucionários, os puros, os da bayer) a ganhar com isso. Embora também não creia que tenhamos a ganhar com as tentativas de patrimonialização que dizem que Abril é do Partido X ou da ideologia Y, parece-me que erigir Abril em património nacional tem várias implicações problemáticas e que me preocupam. Desde logo, reduz uma revolução popular a uma revolução nacional. Depois, subordina o antagonismo de classe à unidade nacional. Em seguida, secundariza a dimensão internacional anticolonial e terciariza a importância de um ciclo de lutas e revoltas internacionais dos anos 60 e 70 em que se pode inserir Abril. Também desvaloriza a importância da resistência antifascista, na medida em que a torna simples "meio" para um "fim".

Ou seja, e talvez articulando tudo isto, transforma em regime e constituição o que pode mas não tem que levar a regime e constituição (ou seja, Abril foi aquele dia e aquele dia foi "desordem" e não "ordem", de modo que política e historiograficamente é a vivacidade desse momento que interessa reter, o que talvez impliquea recusar um discurso em que se aceite que Abril foi feito "para"). Além do mais, considerar Abril como Revolução para todos os portugueses implica regressar a uma das ideias antifascistas menos felizes (a de tomar o Estado Novo como o regime dos “falsos portugueses”). No fundo, acho muito difícil ter um discurso “sobre” Abril. E no entanto acho que devemos lidar com a memória de Abril e que essa memória é das coisas mais preciosas que temos. Agora, acho que haveria um debate a fazer sobre como lidar politicamente com a memória de Abril. Jantares na FIL, discursos no parlamento, colóquios científicos e desfiles na avenida da Liberdade, óptimo, acho que sim. Mas há qualquer coisa rotineira em tudo isto e esta rotina mata o "perigo" em que se contém a possibilidade de acção, revolução, participação, cidadania, o que seja. O discurso da esquerda partidária em torno de Abril, com todas as suas nuances, tem sido ora o da defesa de Abril ora o de fazer cumprir Abril. A defesa pressupõe que Abril foi cumprido e atira-nos para o passado e para o património, ao mesmo tempo que ignora a importância histórica do 25 de Novembro. A ideia de que falta cumprir Abril implica transformar Abril numa promessa e atira-nos para o futuro, igualmente ignorando a importância história do 25 de Novembro. Haveria antes que "actualizar" Abril. A fórmula PREC, a esse respeito, parece-me bastante mais interessante. Não para transformar em "marca". Mas a ideia de processo, de revolução e de em-curso é muito valiosa.

2 comentários:

Joana Lopes disse...


Leio-te nos confins de Darjeeling e tenho inveja - de não ter sido eu a escrever este post. Sobretudo no que se refere ao interesse da expressão PREC.
Um abraço

Anónimo disse...

Mais um profundo texto/interpelação de Z.Neves. Que nos vem propôr o acontecimento 25 de Abril como " ideia de processo de Revolução e em curso- (ideia) muito valiosa ". Ninguém pode ficar indiferente, portanto. Acreditamos- como nos aponta Castoriadis- que " o movimento de emancipação não tem necessidade de uma " teoria da mudança social ". Uma tal teoria não pode existir; a sociedade e a história não são submetidas a leis de que possamos fazer teoria. A história é o domínio da criação humana; esta criação é submetida a certas condições, mas elas indicam-lhe o caminho mas não a determinam ". E se o Marxismo tentou " arranjar " uma teoria da mudança social, isso deu origem à monstruosa ideia de ortodoxia, que introduziu no Movimento Operário, adianta Castoriadis, que aponta: " E se existe ortodoxia, existe dogma, se existe dogma, há guardas do dogma, a saber a Igreja e/ou o Partido. E se existem guardas do dogma, existe Inquisição- a saber a KGB ". A esta opção clarificadora e revolucionária tão cristalina juntamos, nós, uma das grandes teses de M.Bakounine que preconiza a erradicação de todo o poder político instituído: " porque enquanto existir, existirão dominadores e dominados, mestres e escravos, exploradores e explorados" Foi tudo isto- poesia,emoções e erotismo nas ruas - que o " meu " 25 de Abril jamais olvidará ! Niet