30/04/10

Um Post de Fernanda Câncio e a "Douta Ignorância" do Primeiro-Ministro

Gostaria de indicar brevemente duas ou três pistas suegridas pela interrogação que remata de um post cortante que a Fernanda Câncio publica no jugular.
Depois de começar por escrever: "…quando vejo o primeiro-ministro e o líder do principal partido da oposição, depois de reunidos para discutir a situação difícil do País e, presumo, formas de dela sair, perfilarem-se para anunciar a aplicação imediata do PEC mencionando com especial ênfase a alteração das regras do subsídio de desemprego, espero que me digam, de imediato, em que é que isso diminui o défice ou contribui para alterar a situação da dívida externa"; e depois de explicar, continuando, por que razões a "lei [que temos é] já suficientemente draconiana", de tal modo "que é difícil distinguir o proposto do que está em vigor", a Fernanda deixa a questão cuja deixa me parece valer a pena explorar um pouco mais: "De modo que, e volto a perguntar, que foi mesmo este anúncio e serviu para quê?"
Eis os primeiros passos que gostaria de arriscar por conta própria por estas pistas.
1. Com efeito, para que serve um anúncio, apresentado como sendo uma novidade, que fundamentalmente reitera e confirma a determinação de manter o regime já presente? Eu diria que, aparentemente e pelo menos, serve para o seguinte, que nada tem de despiciendo: normalizar a precariedade ou precarização, sublinhando que quem quiser trabalho terá de o aceitar cada vez mais desprovido de direitos e garantias "sociais", e que quem o não quiser assim deverá ser castigado com crescente dureza e obrigado a aceitar não só que a realidade é como é, mas que este como é coincide, por imposição da razão económica, com o que deve ser. Como o outro dizia do "socialismo real" perante os menos aquiescentes, é esta a "realidade económica", e não há outra, nem outro "princípio de realidade". O facto, também sublinhado por Fernanda Câncio, de o primeiro-ministro ter declarado, segundo o Público,"não saber qual o impacto da redução do subsídio de desemprego na economia" é um indício mais da "douta ignorância" com que está decidido a defender o poder político da actual economia governante. A sabedoria hierárquica demonstrada consiste precisamente na validação que José Sócrates assim decreta, como que incondicionalmente, da subordinação da mão de obra efectiva ou de reserva ao regime económico estabelecido.

2. A segunda pista refere-se à transcrição desta reafirmação dos princípios em termos de realinhamentos e recomposição do xadrez imediato e actual da cena política dominante. O acordo ou pacto de "salvação nacional" entre Sócrates e Passos Coelho, a criação de uma task force conjunta para o acompanhamento da situação financeira, etc. é um passo mais no processo de consolidação em curso do Bloco Central, sendo possível que represente uma excelente oportunidade para os responsáveis do PS que se têm oposto a um apoio à candidatura de Manuel Alegre, caso não venha a ser mesmo a oportunidade de alguns, a favor das exigências do combate à criese, para defenderem a necessidade patriótica de um apoio a Cavaco.
3. A terceira pista - ou bifurcação da segunda - conduz, como o post da Fernanda Câncio, a uma interrogação. Que farão nas próximas semanas, por um lado, a candidatura de Alegre e, por outro, os militantes e activistas críticos, contestatários ou não-alihados da "área de influência do PS" e/ou integrantes das suas fileiras? Aqui, bem mais importante do que o destino do PS, mas passando por essa questão, é o futuro próximo das perspectivas de reanimação democrática e de resistência ao governo da "realidade económica" e das "oportunidades de negócio" o que está em jogo.

11 comentários:

Anónimo disse...

Olá, MS Pereira- Bom texto com notações táctico-estratégicas importantes sobre o futuro da Esquerda oficial, em geral, e do PS, em particular. De qualquer forma, Sócrates tem pela frente dois grandes inimigos: o " contágio " da crise da dívida soberana grega e a ameaça Cavaco Silva. O " apoio " de Passos Coelho é-lhe indispensável para mostrar " credibilidade e responsabilidade " política perante os especuladores financeiros, Bruxelas e...Cavaco Silva. Trata-se de uma jogada, de pirro, pensada e revelada com astúcia e muita frieza no dia em que anuncia a vontade de continuar com a política de grandes investimentos. Que Bruxelas, o FMI e a própria opinião pública desaconselham na generalidade. Mas que os lobbies poderosos- comuns e sintonizados aos dois partidos agora...-fomentam, agenciam e estimulam de todas as formas e feitios.O màximo denominador comum a Sócrates e Passos Coelho consiste em " impedirem " por todos os meios que Cavaco Silva se apodere do jogo e dos negócios... A astúcia complexa- aponta Maquiavel- conjuga tanto a virtude e o vício que, muitas vezes a variação das situações as força a actuarem unas de acordo com o valor e a importância do acontecimento.Salut et égalité. Niet

Anónimo disse...

Concordo em geral com o que escreveu, excepto no seguinte passo: "e que quem o não quiser (trabalhar)assim deverá ser castigado". Então acha que quem não quer trabalhar deve ser premiado? E deixe-se de teorias mais ou menos absurdas. O meu pai trabalhou no privado, era bom trabalhador, era estimado e acabou inclusivamente por entrar para sócio da empresa. Eu trabalhei no privado, fazia por cumprir a minha missão sempre fui estimado e não tenho razões de queixa, nem de patrões nem de chefes. Claro que haverá algumas excepções que servem para confirmar a regra. Acha que um patrão, se tiver um bom empregado não o saberá recompensar e estimar? Só se for parvo, dada a dificuldade em encontrar bons trabalhadores. Durante os meus 45 anos de trabalho tenho imensas histórias sobre maus, péssimos trabalhadores. Se lhe contasse algumas passagens coraria de vergonha. Só lhe conto duas. Trabalhei numa empresa que tinha uma cláusula no ACT permitindo às mulheres com problemas de período meterem 2 dias para ficar em casa. Havia uma senhora, entre muitas, que na 6ª. feira dizia ao chefe que na 2ª. e 3ª. iria ficar em casa metendo os ditos 2 dias. Ainda hoje estou para saber como é que ela na 6ª. feira já sabia que iria ter o periodo na 2ª.. A mesma senhora juntava os 2 últimos dias dum mês com os 2 primeiros dias do mês seguinte e, deste modo, ficava 4 dias em casa. Estes são os trabalhadores que infelizmente este país possui. E podia-lhe contar muito mais. Passe bem.

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Niet,
talvez um certo pendor romanesco te leve a sobrestimar o alcance das divergências entre Cavaco e os dois outros dirigentes políticos que citas. Mas retribuo-te a saudável saudação igualiutária, claro. Com um abraço

msp

Caro Anónimo,
eu não penso que a divisa da Internacional que diz: "não mais deveres sem direitos, não mais direitos sem deveres" esteja ultrapassada. Penso que a reivindicação democratizadora de mais liberdade e mais igualdade é também reivindicação de mais responsabilidades e participação nos assuntos comuns. Portanto, o que tento fazer, na passagem que você cita, é denunciar o sofisma e a mistificação da oligarquia político-económica dirigente que visa consolidar a precariedade/precarização na esfera do trabalho ocultando que poderíamos viver e trabalhar noutras condições, assumindo a gestão democrática da economia como uma das responsabilidades fundamentais do autogoverno dos cidadãos.

Saudações republicanas

msp

Anónimo disse...

Caro MSP: Sócrates tem que, astuciosamente, "controlar " a iniciativa política e, como muito bem dizes,isso pode fazer com que venha a negociar o apoio à recandidatura de Cavaco Silva... Esse é o outro módulo da metáfora de Maquiavel: o vício e a virtude são " jogados " perante o acontecimento mas, e aqui está o ponto axial,de forma a que o princípe não perca jamais nem a autonomia nem a iniciativa política. Boa manif. e audácia! Niet

Manuel Vilarinho Pires disse...

Bom dia, Miguel,

Eu sugeria-lhe uma quarta via para levar a bom termo as suas interrogações: a de a iniciativa do PM ser a fingir!

Quando o PM toma uma iniciativa nesta área, está a piscar o olho ao eleitorado que se situa à direita do PS. Que, encantado com o charme, se poderá esquecer de perceber se a iniciativa existe mesmo, ou se é apenas uma reafirmação do que já estava em vigor. Ao PM, a inciativa não trará certamente prejuízos junto desse eleitorado.

Tal como há dias a publicação da legislação a taxar as mais valias bolsistas foi um piscar do olho ao eleitorado à esquerda do PS. Que, encantado com o charme, se esqueceu de reparar que esta legislação é inconstitucional, por retroactividade, e nunca poderá por esse motivo ser promulgada. Melhor ainda, quando a lei for necessariamente vetada, verá no facto a confirmação da sua convicção de que o PR é amigo do capital e inimigo do povo. De modo que a inciativa não só beneficiará o PS nas legislativas, como prejudicará o PR nas presidenciais junto desse eleitorado.

Sugiro-lhe portanto uma quarta via de investigação, a de estas iniciativas legislativas serem apenas a fingir, assumindo que o eleitorado é tonto, e derivando delas vantagens se de facto o for.

Um abraço,

Bolota disse...

Com toda a razão que assiste a Fernanda Câncio e tem muitaaaaaaaaaa naquilo que diz, não pode ser um bocadinho dor de corno??? Porque não escrevia ela assim quando se relacionava maritalmente com o visado no artigo???

Bolota disse...

Foi censurado um post meu sem que nada o fizesse prever.

Garantido, não censurarão mais nenhum.

Do alto da vossa sabedoria, fiquem com espaço todoo e façam bom proveito. Aliás podem censurar também este.

Miguel Serras Pereira disse...

Cara Bolota,
não foi censurado comentário seu de espécie nenhuma. O que acontece é que hoje cheguei tarde ao blogue…
Mas, já aora, deixe-me dizer-lhe que o seu primeiro comentário está no limite do publicável e não seria absurdo não o publicarmos ao abrigo das normas que regulam a publicação desse tipo de textos e que estão à vista de todos os comentadores do Vias.
Você com certeza não mudaria de opinião política por motivos como os que aventa poderem ter sido os da FC, pois não. Por isso, não percebo porque é que sugere que motivos dessa ordem poderão ter motivado a FC a mudar de modo de escrever.
Além disso, o facto de a FC viver maritalmente ou não com quem bem entender só por ela ou a outra parte da relação poderá legitimamente ser tornado público, ou objecto de discussão pública.
Resta que tendo eu perguntado a um dos meus filhos adultos o que era "dor de corno" - expressão que não me era familiar -, o inquirido me disse que era, por exemplo, o que o M. Soares tinha em relação ao M. Alegre. Perante a minha confusão, acrescentou que a expressão também podia significar "ciúme" ou "inveja". Ora, não vejo como pode você saber se a FC term ciúme ou inveja de outra(s) pessoa(s). A menos que a própria lho tenha confidenciado, Caso em que o seu comentário representaria uma baixeza moral de que não me atrevo a supô-la capaz. Com efeito, o que diz equivaleria, se assim fosse, a dizer que a FC não pensa o que pensa, nem agora nem antes, mas diz que pensa isto ou aquilo conforme entende que isso agrade ou desagrade a quem quer causar agrado ou desagrado. O que configura uma difamação grave.
Mas talvez a Bolota queira - sem recorrer a termos menos próprios, por favor - explicar melhor o que queria dizer e desfazer estes equívocos. Seria melhor para todos, a começar pela sua própria pessoa.
Saudações democráticas

msp

Miguel Serras Pereira disse...

Caro Manuel,
engenhosa, sem dúvida, a sua leitura. Mas as medidas fingidas têm, geralmente, a intenção e o efeito de produzir "factos políticos" significativos. E, assim, admitindo a sua "quarta via" como hipótese, posso manter a minha leitura política. Creio eu…
Cordiais saudações democráticas

miguel

Bolota disse...

Caro Miguel S Pereira,

Nunca me aplicará o limite do publicável porque depois desta resposta o Vias de Facto deixará de figurar no meus favoritos.

Quanto a F.Câncio, nada me move contra ela, nem como mulher e muito menos enquanto profissional, concorde ou não com o que escreve.
O que fiz foi apenas relevar dois factos:

1 – Viveu com Sócrates.
2 - Já escreveu artigos a concordar com Sócrates e foram quase todos.

Quanto á “ dor de corno “ recuso-me andar por aqui armado em betinho, quando enquanto povo sou enxovalhado todos os dias, por uma certa casta politica.

Baixeza moral ? Baixeza moral é não perceber que há mais vida para alem desta nossa conversa da treta quando o país está como retrata e bem Fernanda Câncio no artigo em discussão.

Miguel M Pereira,
Um abraço
Passe bem

Zé Neves disse...

caro miguel m pereira ou bolota,

sim, baixeza moral a sua.

passe bem. por mim fico contente em saber que não voltará aqui.