24/05/10

A Hipótese da Autonomia

Ao contrário do que o "ladrão de bicicletas" João Rodrigues parece pensar e, nos seus textos que são quase sempre saudáveis convites a uma reflexão implicada na acção,  muitas vezes escreve, considero que o aumento da intervenção do Estado na economia, o reforço das capacidades do "Estado-estratega",  permitem adiar e suspender, recalcar ou subordinar, a exigência de democratização do poder político que, só ela, pode animar uma repolitização igualitária e participativa da "economia política" dominante. Acresce que esta sobrevalorização do Estado-estratega, em detrimento de uma definição efectivamente desmistificadora das condições de exercício pelos cidadãos de um poder político efectivamente democrático, alimenta e repousa sobre uma identificação precipitada e politicamente perigosa entre "estatização" e "publicização" da direcção da economia, operação, por fim, coroada por uma defesa da "economia mista", ou seja doseando sabiamente os pesos respectivos do "sector estatal" (abusivamente declarado "público") e do "sector privado", como fórmula superior e "sintética" da justiça social e da eficácia instrumental.

Mas estas objecções não me impedem de sublinhar aqui a pertinência dos considerandos que ele apresenta neste seu post, A Hipótese da Rua, apelando à manifestação de protesto contra as medidas económicas e sociais do actual governo que a CGTP convocou para o próximo dia 29 deste mês de Maio. Nomeadamente, quando escreve: …o bloco central parece estar convencido de que as responsabilidades pela brutal crise económica internacional são dos trabalhadores, dos direitos que uma parte deles conquistou e do Estado social que as suas lutas fizeram surgir. Estranhamente, a lógica das medidas de austeridade nunca é anunciada: usar o desemprego de dois dígitos, a redução dos direitos sociais, sobretudo no subsídio de desemprego, e a austeridade orçamental, em geral, para favorecer a aceitação pelos trabalhadores mais vulneráveis de reduções substanciais do seu poder de compra. Julgam que assim se promoverá uma recuperação económica assente nas exportações devido à redução dos custos laborais. A enésima rodada de redução dos direitos laborais dá uma ajuda a este projecto económico de compressão do mercado interno [adoptado pelas] elites nacionais e europeias que fazem de tudo para agradar a "mercados" cada vez mais irracionais e, em última instância, incompatíveis com a escolha democrática.


E quando, deste quadro, extrai as razões da sua aposta na "hipótese da rua" - formulada como se segue: na ausência da "pressão da rua" convencionalmente desdenhada, é sobre a esmagadora maioria dos trabalhadores assalariados - do público e do privado, mais ou menos precários, empregados ou desempregados - que continuará a recair todo o fardo da crise de um sistema económico cada vez mais disfuncional -, João Rodrigues lembra-nos simplesmente uma verdade simples, mas fundamental: qualquer política de defesa dos trabalhadores e/ou de extensão dos direitos e liberdades da cidadania activa tem na acção autónoma dos trabalhadores e cidadãos interessados a sua garantia mais forte de êxito e a sua mais decisiva expressão de vontade democrática.

Ora, é justamente por estas últimas razões que - a par deste apelo de João Rodrigues, que, como disse, subscrevo e desafio todos a subscrever na acção -  recomendo agora, com o mesmo vigor,  também a leitura do desassombrado post que o camarada João Tunes, infelizmente sem o "via-factualizar" aqui,  publicou há dias no seu blogue pessoal Água Lisa, sob o título de Sobre o anti-sindicalismo: A fraqueza do sindicalismo português é um dos pontos fracos do regime democrático, um sinal preocupante da fraca capacidade de defesa dos trabalhadores. O patronato e a direita não se poupam a acentuar as fragilidades do ideal sindical, da sua prática e influência, contando ainda com a ajuda da burocracia anémica do sindicalismo amarelo. O controleirismo e hegemonização do PCP sobre a CGTP, o esmagamento e apropriação da agenda reivindicativa da central sindical, cumprem a outra metade do trabalho de sapa anti-sindical. O que demonstra, objectivamente, que nem sempre os contrários se desentendem.


Por outras palavras, a força da "hipótese da rua" será tanto maior quanto mais a sua base se mostrar independente dos interesses de direcções exteriores, empenhadas na consolidação da sua própria sociedade hierárquica de candidatas ao governo exercido sobre aqueles a quem não reconhecem a capacidade política de autodeterminação.

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro MS Pereira: Grande cruzada! Senti em Paris um grande elán criador e entusiasta pelas teses de Castoriadis. O que não deixa de ser muito bom. Multiplicam-se as reedições e há revistas múltiplas com textos de análise sobre as suas teses. Até do Bensaid já li uma análise...O " último " grande panfleto da dupla Negri/Hardt esgotou na Shakespeare & Co., o que deve dar ânimo aos seus prosélitos lusitanos... Ainda consegui adquirir o grande livro do Pannekoek sobre " Os Conselhos Operários ", na livraria do Monde Libertaire,à la Bastille. E é dele que te endereço esta tese: " Não existe senão um único critério para aferir de toda a forma de acção, de toda a táctica, de todo o método de luta, de toda a forma de organização: fazem crescer ou não a potência das massas trabalhadoras? ". Indica como perigos maiores: o sindicalismo reformista e as ilusões da democracia política.À suivre, portanto. Salut et égalité! Niet

Anónimo disse...

Caro MSP: Há uns dias tinhas remetido os teus leitores para um artigo do l´Humanité sobre Castoriadis. Por isso, eu, o " libero ", auto-deliberei falar do ambiente " pró-Castoriadis ", que se vive na cidade-Luz. A que se juntam, devo salientar, boas interpretações de universitários belgas em revistas. De qualquer forma,quero salientar, que a direita francesa transformou ao longo dos anos Paris numa cidade-espectáculo ultra comercial, com os " quartiers " da boémia e da vida intelectual cada vez mais repelidos para o Leste e Nordeste. Até prefiro agora a " minha " Estrasburgo - a 2a cidade de França, a par de Bordéus, para o PH. Sollers -à capital...Fica a ressalva. Salut et égalité. Niet