25/06/10

Ainda sobre o Marechal Zhukov (a pedido)

Atendendo ao desejo cordialmente manifestado por um comentador anónimo neste post, que gostou tanto que pediu mais, acrescento, com mais um naco, a transcrição do ali citado livro de Laurence Rees na parte referente ao “tratamento” dado ao Marechal Zhukov, o homem que comandou o Exército Vermelho quando este obrigou o nazismo a render-se em Berlim.

“ Zhukov teria de pagar o preço da sua popularidade. E o pagamento iniciou-se na sequência da detenção, no começo de 1946, de Alexander Novikov, o comandante da Força Aérea soviética. Este foi pressionado pela NKVD a «confessar» que se «enredara numa teia de crimes» relacionados com a aceitação de «várias mercadorias da frente para meu benefício pessoal». Tratava-se de um «crime» perfeitamente disseminado e tolerado – a menos que, como era o caso, Estaline quisesse um pretexto para punir alguém que, a seu ver, estava a passar-lhe à frente. Novikov confessou também ter tido conversas «politicamente perigosas» com Zhukov. «Em primeiro lugar e mais do que tudo», disse ele, «gostaria de dizer que Zhukov é um indivíduo excepcionalmente ambicioso e narcisista; adora ser tratado de forma honrosa, com respeito e servilismo, e não tolera qualquer oposição.» Além disso, revelou Novikov: «Zhukov não receava exagerar o seu próprio papel na guerra como comandante supremo, chegando ao ponto de declarar que todos os planos fundamentais das operações militares foram da sua autoria.»”
“Mau grado os tratamentos da NKVD, Novikov não conseguiu apontar nenhum exemplo concreto de Zhukov a conspirar contra Estaline. Porém, o retrato de Zhukov que emergia da confissão coagida era a de um homem sequioso de êxito militar e honra pessoal, frívolo, egoísta e intolerante perante o fracasso de outros (uma descrição que também se aplicava a muitos dos mais bem sucedidos comandantes ocidentais). Definido nestes termos, Zhukov contava já com o suficiente para ser mandado para o Gulag – razão pela qual é tão curioso o que veio realmente a acontecer. A princípio, a denúncia de Zhukov seguiu a norma estalinista. Numa reunião no Kremlin, a 1 de Junho de 1946, após a leitura da substância das acusações derivadas da confissão de Novikov, Molotov e Malenkov consideraram Zhukov «culpado» dessas acusações, e Beria acrescentou: «O problema de Zhukov é que ele não é grato, como deveria estar, ao Camarada Estaline por tudo que ele fez. Não respeita nem o Politburo, nem o camarada Estaline, e deve ser posto no seu lugar.» Até aqui, tudo dentro das previsões. Porém, depois interveio o marechal Konev, amargo rival de Zhukov, sobretudo nos últimos meses da guerra. Tinha muito a ganhar com o afastamento de Zhukov, mas, embora declarasse que Zhukov era «uma pessoa muito difícil» com quem trabalhar, «recusou categoricamente a acusação de desonestidade política e de falta de respeito pelo Comité Central. Considero Zhukov alguém leal ao Partido, ao Governo e, pessoalmente, a Estaline.» Este ponto de vista foi apoiado pelo marechal Pavel Rybalko, o brilhante comandante soviético de blindados: «Não é verdade que Zhukov seja um conspirador. Tem os seus defeitos, como toda a gente, mas é um patriota, o que comprovou durante a Grande Guerra Patriótica [Segunda Guerra Mundial].» Significativamente, Rybalko afirmou também acreditar que «chegou a altura de deixar de dar crédito a testemunhos arrancados sob coacção nas prisões.»”
“O corajoso apoio destes dois marechais – e só podemos espantar-nos com a ousadia necessária para falar contra a palavra da NKVD – significava que Zhukov podia constituir com os seus colegas militares uma frente unida contra Estaline. Zhukov disse ao líder soviético que «tais acusações não têm fundamento. Desde que aderi ao Partido que o servi a ele e à Pátria com honra. Nunca estive ligado a qualquer conspiração.» De resto, Zhukov tinha a certeza de que as provas contra si eram «mentiras» obtidas «através de tortura».”
“A decisão ponderada de Estaline no final da reunião não foi que Zhukov fosse levado para as celas da Lubyanka, mas apenas que ele precisava de «sair de Moscovo por uns tempos». Foi destituído do seu posto como governador militar da zona soviética na Alemanha e viu-se de seguida nomeado comandante militar de Odessa, no Mar Negro, bem distante da capital soviética. «Estaline decidiu afastá-lo, mandá-lo para longe, e começaram longos dias de infelicidade», diz Svetlana Kazarova, que com o marido se mantiveram em contacto com Zhukov no seu exílio. «Algumas pessoas, bajuladores, deixaram de imediato de lhe telefonar, mas outras, que eram gente decente, receavam telefonar-lhe porque sabiam que a polícia secreta fazia escutas. Só se podia telefonar fora de casa […]. Ficámos muito magoados por causa de Zhukov. Sentíamos pesar nos nossos corações, mas mantivemo-nos todos em silêncio. Os nossos sentimentos nada podiam alterar […]. Penso mal daquele sistema porque este tratamento cruel era injusto, não tinha justificação, e o país não beneficiou de forma alguma com ele. Perdeu um homem que poderia ter conservado o exército em muito melhor forma.»”


(De “Segunda Guerra Mundial – À porta fechada, Estaline, os nazis e o Ocidente”, Laurence Rees, Edições Dom Quixote)

6 comentários:

E agora para algo con pateta mente diferencial disse...

jukov ou zhucov ou Жуков foi um marechal com muita sorte, na resistência dos 45 regimentos siberianos,que mandou vir no início de Novembro de 41, nas 4000 execuções de desertores feitas pela NKVD em Dezembro, não fosse isso teria sido apagado como outros, melhores do que ele que foram executados, por terem tropas que cederam à investida alemã
foi como Napoleão mas sem o génio
dependeu de perdas gigantescas em meios humanos para fazer os seus avanços

E agora para algo con pateta mente diferencial disse...

se poderia ter feito mais pelo exército russo, duvidoso os que o substituiram tornaram-no a máquina mais eficiente até aos anos 90,
3milhões de afgãos mortos contra 100mil soldados soviéticos provam-no
muito melhor que os 45000 americanos e 150mil sul-vietnamitas
contra os 500 a 600mil vietcongs

jukov foi um episódio, são os povos e não os homens que fazem a história, os homens são circunstanciais

xatoo disse...

Laurence Rees é um argumentista de televisão, não é um historiador. É de modo predominante um empregado na indústria de propaganda ao holocausto (da qual o Sionismo judeu-ortodoxo isrelita procura extrair legitimidade)
Portanto, tudo o que Rees possa sugerir é orientado ideologicamente para induzir as massas num sentido rervisionista da História

Miguel Serras Pereira disse...

Rees será um argumentista de televisão, mas os factos que refere são conhecidos por toda a historiografia mais credenciada que investigou a mesma matéria. O destacado historiador marxista
Jean-Jacques Marie, por exemplo, escreve: [Estaline tinha] perdido o hábito de andar a cavalo [e] decide treinar (…) na sequência de uma utilização incorrecta das esporas (na verdade, Estaline brutalizara o animal), o cavalo toma o freio nos dentes, Estaline (…) cai e fere-se num ombro e na cabeça. Levanta-se, cospe e resmunga: 'Prefiro que seja Jukov a passar revista às tropas, pois é um velho cavaleiro'. Mas a amêndoa é amarga".
Os restantes factos referidos por Rees são relatados a seguir, em pormenor e com indicação das fontes. Recomenda-se a leitura a quem tenha dúvidas (Cf. Jean-Jacques Marie, Estaline, Lisboa, Editorial Verbo, 2004, pp. 563 e sgs.)

msp

André Carapinha disse...

Agradava-me muito que o xatoo (e os outros, já agora) definisse isso de "história revisionista" quanto ao estalinismo. Estou curioso para saber quais os factos que os "anti-revisionistas" consideram "revisionismo": os processos de Moscovo? O Gulag? O genocídio dos Chechenos? A vingança sobre os Ucranianos depois da II Guerra? As purgas sobre os intelctuais, os artistas, os generais, os artistas, enfim, sobre toda a gente que pensasse pela sua cabeça? As fomes dos anos 30? Vá lá, façam-me a vontade, que estou mesmo muito curioso em saber.

Anónimo disse...

Caríssimo André: Respondo ao teu desafio sem grandes parangonas e com o factor contextualista quase soberano na genealogia do evento: como gosto de dizer, estas magnas questões implicam um manancial de consultas e de referências que vários camiões TIR de 20 toneladas não chegariam para nos elucidar. De qualquer modo, fazendo jus a Trotski,o processo de degenerescência do Partido Bolchevique começou lentamente apòs a morte de Lénine, em 1922.Mas há quem diga que foi no II Congresso do POUS, embrião do P.Bolchevique, que as divergências entre Lénine e Martov- sobre o estatuto de membro e o tipo de Organização- que deram os grandes lamirés para a intronização paulatina do sistema Estaline. E a própria palavra " desvio " à linha oficial é criada por Lénine em 1921, e é adoptada como crime político grave a partir de 1924. E Staline vem dizer mais tarde, inspirado por um Zinoviev ainda em graças, que a " unanimidade e a firmeza " são a característica dos comunistas. E segue-se a prática da" crítica e da auto-crítica" como base da ditadura do proletariado, a partir de 1928. Tudo isto vai dar origem- é o termo- a um "poço da morte " demencial, múltiplo e perverso de crimes e de punições sem fim,com vagas e refluxos de horror, fome e quase- genocídio envolvendo milhões de russos e outros povos anexados. " "Os comissários passam a controlar o Estado, em vez das cozinheiras ", tinha sido um joke muito intempestivo, e célebre, ditado por Boukharine. E, em 1928, Préobrajenski,Mratchkovski e Smirnov são de novo deportados... A que se sucedem os " diferendos "criados por Tverskoy contra Boukharine, a morte suspeita de Boutov, ex-secretário de Trotsky, assim como a do aliado deste,Jacques Blumkine.Tudo a " preparar " a expulsão de LB.Trotsky. " A Guépéou
futura NKVD e depois KGB tornou-se definitivamente desde 1928 um dos instrumentos de dominação do aparelho e do secretário-geral no interior do próprio partido ", adianta Pierre Broué. O itinerário dramático e heróico de bolcheviques como Radek- que enfrentava mesmo Vychinsky nos julgamentos de plenário- Syrtov, Rioutine, e tantos outros, ilustra com a opacidade dos textos clandestinos e o apagamento de relatórios e Memórias de acção dos condenados, a ofensiva primeira da Oposição de Esquerda, que Boukharine e Trotsky tinham em mente antes da eclosão da Grande Crise de 1929. E depois é toda uma espiral de violência sanguinária, onde a morte suspeita da própria mulher de Estaline, Nadjiejda Alilloueva,adquire um simbolismo desesperante em 1932. Muito fica por dizer e lanço um repto a todos para completarem e estenderem esta visão do Estalinismo.Por outro lado,para já,sobre a época das Grandes Fomes- 1932/33- os maiores e mais credíveis dos economistas, muito perto da teoria defendida pelo Nobel de Economia Amartya Sen, pendem para a tese de responsabilidade da "colectivização forçada " contra a do " genocídio alimentar " na eclosão do flagelo por enormes extensões da URSS, tão ventilado pela propaganda imperialista de forma oportunista e sumária. Niet