29/06/10

Contra a divisão do trabalho político e alguns outros pontos noutros alguns ii

Num comentário ao texto Nem ser nem deixar de ser comunista, aqui publicado há dias pelo Zé Neves, João Valente Aguiar escreve o seguinte: Na minha opinião você não é comunista não por não pertencer ao PCP mas porque não comunga de princípios fundamentais do comunismo e do marxismo: luta de classes, poder operário de base e planificação central, existência de uma organização política de vanguarda, ditadura do proletariado, centralidade da teoria do valor e das classes sociais, etc.
Pois bem, deixando de lado outras questões, considero que poderá ser interessante caracterizar politicamente este tipo de discurso, explicitando como a concepção e as práticas do poder político - incluindo a luta política pelo poder - para que remete continuam prisioneiras das "significações imaginárias centrais" do capitalismo e da organização hierárquica e classista do poder político que pretende contestar.
1. Poderíamos começar por fazer notar que "os princípios fundamentais do comunismo e do marxismo" enunciados são, quando muito, os de certa interpretação leninista do marxismo, deixando de fora boa parte de outras correntes do marxismo, para já nada dizermos de outras correntes "comunistas". Com efeito, nem a luta de classes nem o "poder operário de base", associado à exigência de "planificação central", são concepções exclusivamente marxistas, ao mesmo tempo que , em Marx, a "ditadura do proletariado" não implica, antes exclui explicitamente, um regime de monopólio dos meios de violência e coacção administrativa por instituições ou aparelhos especiais ou com um estatuto hierárquico superior às instituições e dispositivos da auto-organização dos trabalhadores e do conjunto da população, cujo "modelo" clássico é a Comuna de 1871 (cf. Maximilien Rubel, Marx et la démocratie, em Marx critique du marxisme, Paris, Payot, 1974).
2. Do mesmo modo, a "organização política de vanguarda" não implica, em Marx, antes tende a excluir, a concepção do partido de revolucionários profissionais exercendo por representação, e através da subordinação ou supressão das suas formas de auto-organização, o "governo dos trabalhadores".  Em qualquer caso, e independentemente das oscilações que encontramos em Marx e Engels a propósito das formas institucionais do governo revolucionário, encontramos sempre reiterada a exigência democrática que faz depender a sua legitimidade da vontade dos trabalhadores e da sua livre escolha. É "ao poder operário de base" que compete definir a legitimidade do governo revolucionário e escolher o seu programa, sendo excluída por princípio a ideia de que é ao partido de revolucionários profissionais que compete impor o seu programa e concepções, por mais sábios e cientificamente informados que sejam, à vontade dos trabalhadores.
3. Quanto à teoria do valor, se a tomarmos como lei necessária e cientificamente estabelecida,  teremos de reconhecer nela, como nas ambições cientistas de Marx em geral, a parte mais caduca e conservadora do seu pensamento. Basta, para os efeitos da presente discussão, sublinhar que é incompatível com a concepção da determinação da repartição do produto pela luta de classes (sendo que esta determinação pela luta de classes, se for tomada a sério, introduz um elemento de indeterminação radical na teoria económica e impede que consideremos efectivamente consumada a redução que o capitalismo postula, mas sem lograr realizá-la, da força de trabalho a simples mercadoria). Em última instância, como costuma dizer-se, as relações de produção capitalistas são relações de poder, pelo que a instituição do socialismo, ou a transição para o socialismo, depende de uma luta política que prima sobre o desenvolvimento das forças produtivas, sendo essa luta política que, de certo modo, cria como contradição revolucionária a oposição entre a apropriação classista dos meios de produção e do seu produto e a natureza cada vez mais directamente social e colectiva do processo produtivo. Faz toda a diferença politicamente considerar que o desenvolvimento das forças produtivas é o factor determinante da "condenação histórica" do capitalismo e a causa profunda da (aparente) acção histórica (luta de classe) dos trabalhadores, ou considerar que esse desenvolvimento só conta por ser resultado ou efeito de uma acção histórica primeira e mais decisiva, que se inscreve em relações de poder (relações de produção) que são elas próprias criações históricas.
O Marx que se quis cientista e economista científico foi justamente aquele que as correntes aqui exemplificadas pelos pontos enumerados por JVA mais insistiram, combinando essa sua vertente ideologicamente dominada e colonizada pela racionalidade capitalista e hierárquica com o "materialismo dialéctico", síntese de uma filosofia unitária e determinista da natureza e da história, que funcionaria, como escreveu Henri Lefebvre, como "uma teoria do ser que justifica o ser do poder". Apesar da importância da sua contribuição para a análise económica, os grandes temas marxianos da mais-valia, da exploração, etc. limitam-se a reformular em termos eruditos e, por vezes, redutores a leitura política que do seu lugar nas relações de produção faziam os protagonistas dos movimentos radicais e de trabalhadores que o precederam (Cf. a este propósito The Making of the English Working Class de E.P. Thompson, que documentam bem as concepções da "economia moral" desses movimentos).

4. Por fim, se a abolição das classes e a substituição de um poder democraticamente exercido aos aparelhos hierárquicos característicos das esferas económica e estatal instituídos, conserva toda a sua actualidade em termos de exigência igualitária de autonomia, a teoria das classes de Marx não pode ser mantida na formulação que ele lhe deu. E o mesmo se diga do papel que ele, tal como outros pensadores individuais ou correntes radicais e socialistas, atribuíam à classe operária.
Haveria aqui a distinguir duas ordens de razões. Esquematizando brutalmente as coisas temos, assim, que, em primeiro lugar, e num plano de princípio, a ideia de uma "classe universal" cuja missão histórica é univocamente determinada pelas condições objectivas ou pela necessidade força das coisas não é compatível com a própria concepção da realidade humana que se faz  ou cria a si própria e se dá os seus próprios fins e meios para além das condições que herda, ainda que a partir delas. Mas, em segundo lugar, devemos ter presente que a natureza e a forma de existência históricas do proletariado ou da classe operária conheceram transformações de fundo desde a época de Marx. A própria proletarização prevista por Marx, ao generalizar a condição assalariada, pelo menos nas economias mais desenvolvidas, ao conjunto da população, deixando de fora apenas a faixa estreita das camadas dirigentes, torna impossível identificar como "universal" - em-si ou para-si - uma classe  específica ou especificável nos termos da teoria marxista.
Evidentemente, seria necessário e bastante instrutivo desenvolver a este propósito uma série de proposições de ordem social-histórica e política cuja apresentação requer outro quadro e tipo de debate. Creio, no entanto, que entre as pistas fundamentais de uma abordagem lúcida da questão se contam as que indicam os excertos do ensaio de Castoriadis com que terminarei este ponto:
A história do movimento operário e a história da actividade de homens pertencentes a uma categoria (…) através da qual esta categoria (…) se faz (e se diz e se pensa como) "classe" num sentido novo deste termo (…) "classe" da qual a história não oferece análogo próximo ou longínquo. Transforma-se transformando a passividade, a fragmentação e a competição que o capitalismo visa impor-lhe (…) invertendo a significação da colectivização capitalista do trabalho. Inventa na sua vida quotidiana, nas fábricas e fora delas, respostas sempre renovadas à exploração (…) cria formas de organização e de luta originais. Tenta unir-se para além das fronteiras, adopta como hino um canto chamado A Internacional (…) cria novas instituições universais encarnando o seu poder colectivo.
Transformada assim (…) em força social determinante da história (…) a classe operária transformou também a sociedade capitalista - pelos efeitos directos e indirectos das suas lutas explícitas ou implícitas (…) Mas o "resultado" provisório desta transformação (…) foi o desaparecimento do movimento operário enquanto força social-histórica originária e autónoma. A classe operária, propriamente dita, tende cada vez mais a tornar-se uma camada numericamente minoritária nos países de capitalismo moderno (…) É certo que se assiste paralelamente à transformação da quase totalidade da população (…) em população assalraida - mas que quer isso dizer senão precisamente que já não faz muito sentido falar em termos de classe ["universal"]. Ainda menos do que na situação "objectiva" do operário industrial haverá na de assalariado em geral uma predestinação revolucionária (…)
[Por isso] é claro que não se pode hoje nem manter uma posição privilegiada do proletariado no sentido tradicional, nem estender mecanicamente as caracteristicas deste ao conjunto dos assalariados, nem, enfim, pretender que estes se comportam como uma classe, ainda que embrionária (…).
Numa sociedade mundial (…) em que se põe com uma acuidade nunca antes conhecida o problema político como problema total, continuamos a ser tomados pelo projecto revolucionário engendrado pela classe operária, cujo autor recua e desaparece entre a multidão dos actores sociais. Encontramo-nos na situação paradoxal de entrever cada vez melhor (…) [a actualidade de] uma transformação social-histórica radical e cada vez menos quem a pode realizar.
Mas talvez a situação só seja paradoxal na aparência. (…) O projecto revolucionário tornou-se qualquer coisa que não terá sentido nem realidade se a esmagadora maioria dos homens e das mulheres (…) não vierem a assumi-lo e a fazer dele a expressão activa das suas necessidades e dos seus desejos. Não há salvador supremo, e nenhuma categoria particular tem a seu cargo a sorte da humanidade.  - C. Castoriadis, 1973, em L'expérience du mouvement ouvrier 1. Comment lutter, Paris, UGE, 1974.

5. A prosa vai longa, e a conclusão, em dois momentos, está à vista. Em primeiro lugar, os pontos de JVA só abusivamente podem pretender-se como base da definição do "comunismo" e do "marxismo", sendo, quando muito, possível apresentá-los como uma, entre outras possíveis, versões leninistas. Em segundo lugar, este tipo de versão, sobretudo pela sua maneira de conceber a política como aplicação por meio de um partido de vanguarda de uma "organização científica da sociedade" (que foi a certa altura uma das definições de comunismo proposta por Louis Althusser), cuja verdade é anterior e "exterior" às representações práticas das "massas" ou "classe empírica", reproduz os traços vitais e distintivos do tipo de sociedade e de regime que pretende combater: a sua divisão do trabalho político retoma, justifica e legitima as representações que naturalizam a divisão (política), em termos classistas e hierárquicos,  do trabalho e do exercício do poder.

7 comentários:

Anónimo disse...

Em direcção a um Marxismo Puro e Inoxidável? A melhor das intenções gera- neste tipo de textos- muita perplexidade e angústia. Porque a história "universal " da experiência do movimento operário e revolucionário tem que ainda valer alguma coisa, os seus bons e maus exemplos( mesmo fugazes), como Maio 68 e a revolta dos Conselhos Operários na Hungria, Checoslováquia e depois na Polónia, ou mesmo a experîência chilena dos anos Allende...Ou as greves autónomas desencadeadas contra Tachter e a vastíssima experiência do indomável operariado francês dos dias que correm, onde a experiência prática dos Conselhos Operários assume dados incontornáveis." A única fonte de conhecimentos morais para o proletariado é a luta de classes ", sublinhou muitas vezes Rosa Luxemburgo. O M.S. Pereira remete-nos para a experiência da Comuna de Paris, por acaso pómo histórico de polémica entre os " marxistas " estatistas e os anarquistas federalistas ou conselhistas. É a questão da formação do Estado Operário - eventual e ocasional...- que nesse diferendo cava oposição maior, e que se prolonga até à formação do Partido Bolchevique,no Verão de 1917,onde Martov e Lénine se digladiam para estabelecer a redacção do que poderia ser a " dominação política do proletariado "...Sobre o uso da igualdade e democracia interna na " gestão " das organizações de classe operária, a questão hoje é diferente e nova. Paul Mattick escreveu, em 1975, coisas definitivas sobre estas questões do " comunismo " dos Conselhos Operários. Vamos seguir o seu pensamento: " Toda a greve, manifestação, ocupação, toda a actividade anti-capitalista que ignora as organizações operárias tradicionais e escapa ao seu controlo, tomam a figura de uma acção independente da classe operária que determina ela-própria a sua organização e o seu modo de ser. Podem ser, portanto, consideradas como um movimento de Conselhos. Da mesma forma, numa mais vasta escala, a organização espontânea dos actos revolucionários que se produziram na Rússia de 1905 e de 1917, na Alemanha de 1918, mais tarde contra as autoridades do capitalismo de Estado da Hungria, da Checoslováquia e da Polónia, utilizaram a forma Conselhos Operários, porque é a única forma de acção possível da classe operária, nas condições em que todas as instituiçõese organizações estabelecidas se tornaram apoios do statu quo ". E adiante especifica ainda mais: " " Esses Conselhos Operários nasceram, pois, da necessidade, mas também das possibilidades abertas pelo próprio processo de produção capitalista, porque este determina já as formas " naturais " de actividade e de organização da classe operária.No interior deste processo, os operários estão " organizados " em classe oposta à classe capitalista. O local da sua exploração é também o da emancipação ou, pelo menos, da sua resistência à opressão capitalista.(...)aniquilando por isso a contradição aparente entre organização e espontaneiedade ". Durruti

Miguel Serras Pereira disse...

(Pseudo)Durruti,

Como dizia o outro, o pensamento não é propriamente a distância mais curta entre duas citações.
É curioso que se insinue que o meu texto procura um "marxismo puro e inoxidável" quando salta aos olhos de qualquer leitor distraído que a sua ideia é desmitificar a própria ideia de uma política científica e cientificamente ditada à questão social.
O resto do comentário é fogo de artifício com citações arbitrárias de autores estimáveis que, no contexto, se limitam a impedir qualquer discussão consequente da posição que assumo ou de outra que se lhe contraponha.
Custa sempre ver tão boas leituras de tão excelentes autores transformadas em declamação histriónica, evocando, ainda por cima, não menos histrionicamente, o nome de Durruti.

msp

Anónimo disse...

MS. Pereira: Não vale a pena tentar demonstrar-lhe que tem muito pouca razão na sua contra-argumentação. Eu dei-lhe o exemplo da Comuna- e qual delas?- porque era aí- 140 anos depois?- onde, pela mais espessa, forçada, inverosímel e subliminar das insinuações e correcções ideológicas, V. Excia queria cunhar/ alicerçar e erguer a sua tese/aposta não-violenta para a eclosão da Revolução Social. O encadeado da minha argumentação- em contraponto com as suas citações, as minhas são mínimas...-bate certo; e se quiser repito a contextualização. A do Mattick, por exemplo, é um fragmento de uma entrevista adicional ao fabuloso livro do A. Pannekoek sobre " Os Conselhos Operários ".Durruti

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo que (ab)usa (d)o nome de Durruti,
este segundo comentário soma a má-fé à confusão do primeiro: onde é que está, no que escrevi, a minha "tese/aposta não-violenta para a eclosão da Revolução Social"? E, apesar das limitações do meu espírito (que deploro, em vez de as exibir, à sua maneira, de espadachim de revista ou vaudeville), não me passaria pela cabeça, se quisesse negar por princípio a legitimidade do recurso à violência, ir buscar o exemplo de uma insurreição armada como a Comuna.
Porque é que não vai delirar um bocado para as caixas de comentários dos seus interlocutores, verdadeiramente violentistas, Vidal e xatoo?

msp

Anónimo disse...

MS Pereira: Uso os pseudónimos que quero e desejo. Má-fé usa-a o Sr., a tentar com estas "saídas" e falsa argumentação, cobrir e desculpar a inépcia e idiotia dos seus colaboradores,um em especial, que soma dislates e erros consecutivos, semana-apòs-semana.Durruti

João Valente Aguiar disse...

Miguel Serras Pereira,

Só hoje tive mais tempo - e mesmo assim não mto - para poder responder ao seu post.

Você considerar a teoria do valor marxiana como a parte "mais caduca e conservadora" do seu pensamento leva-o (ou levá-lo-á) a abandonar o conceito de exploração, conceito essencial sem o qual não se consegue explicar a existência das classes sociais; a dinâmica do capitalismo e do imperialismo; as modalidades de dominação económica entre as classes, etc.

Sem teoria do valor, ou seja, sem uma teoria da exploração o capitalismo seria apenas um palco de distribuição de poderes e de capitais (culturais, económicos, políticos, etc.) à la Bourdieu. A sua estrutura manter-se-ia intacta.

Tudo o resto que escreveu não passa de um velho truque a ver se conseguem anarquizar o Marx. Pobre homem. Os que no passado inventaram (e o caluniaram) com a invenção do termo marxista, são agora os que o querem passar por um bon vivant semi-anarca, semi-democrata... Como se os textos do Marx e do Engels não fossem mto claros acerca da necessidade de uma organização centralizada na Comuna (é, aliás, esse um dos erros estratégicos e políticos apontados por Marx à Comuna na Guerra Civil de França)... Quem tiver lido alguma coisa do Marx sabe perfeitamente que há óbvias continuações entre o Lénine e a dupla atacante Marx e Engels. O próprio Estado e Revolução do Lénine está cheio de citações do Marx e do Engels precisamente repetindo as grandes linhas mestras avançadas pelos revolucionários comunistas alemães na Origem da Família..., no Manifesto, na Lutas de Classe em França, na Guerra Civil em França, na Crítica do Programa de Gotha.

Por estas e por outras é que eu digo que as pessoas que se reclamam de um certo comunismo neste blog não são comunistas. Não digo isto com nenhum sentido pejorativo, mas perante a realidade óbvia dos factos.

Miguel Serras Pereira disse...

JVA,
a sua resposta não traz grande coisa de novo.
1. a crítica do meu texto não põe em causa a existência da exploração - apropriação desigual do produto, disposição dos meios de produção e direcção da economia por uma oligarquia, mais ou menos compósita, etc. A parte mais caduca da concepção complexa da exploração em Marx é a que pretende formalizar e quantificar o fenómeno, suspendendo a consideração de que a determinação do produto é, em última análise, se assim quiseremos dizer, função da luta de classes - e o mesmo se diga da reprodução das relações de produção. Estas não têm qualquer objectividade económica independente das relações de poder e da luta política (no sentido mais amplo do termo).
2. O partido de Lenine é uma criação original, que se distingue da concepção de Marx e Engels e a "corrige" ou distorcem sob vários aspectos decisivos. A vanguarda, elite, fracção mais avançada dos revolucionários não é para Marx uma forma institucional nem se confunde com os partidos operários sociologicamente definidos, mas é-lhes transversal. Como escreve Maximilien Rubel, no livro citado pelo meu post: os seus membros "não formam uma organização particular, obedecendo a regras e estatutos formalmente estabelecidos (…) participam no movimento geral sem estarem necessariamente submetidos às directivas dos partidos existentes; no limite, podem agira à margem de qualquer movimento oficial" (p. 281). Rubel chama a atenção para o facto de, até no mesno em O Estado e a Revolução, Lenine citar do prefácio de Engels à Guerra Civil em França "tudo, excepto as passagens que, visando os blanqustas, comportam a condenação do bochevismo: 'Formados na escola da conspiração, apoiando-se na disciplina que é própria do seu partido, partiam da ideia de que uma minoria de homens decididos, bem organizados, estavam em condições (…) não só de se apoderar do poder, mas também […] de o conservarem por tempo suficiente para arrastarem no sentido da revolução a massa do povo, agrupando-a em torno da pequena minoria dirigente. Para isso, era necessária antes de tudo a centralização mais rigorosa e ditatorial de todo o poder entre as mãos do novo governo revolucionário. Ora, que fez a Comuna(…)? Em todas as suas proclamações (…) exortou a que se constituísse uma livre federação de todas as comunas de França (…) E que queria fazer a Comuna […] do exército, da polícia, da burocracia, desses instrumentos de opressão dos quais todos os governos até então se tinham servido? Precisamente destruí-los por toda a parte, como já fizera em Paris!'" (p. 301).
3. "Anarca", Marx não o era certamente. Mas quanto à democracia, não deixava as coisas pela metade: a sua concepção do que seria uma economia socialista é a de uma democratização radical das relações de produção, que inverte e supera a divisão do trabalho político do mesmo modo que a distinção estrutural entre o político e o económico. Uma última citação de M. Rubel: para Marx, "A democracia traz aos produtores" os meios de "conquistarem o poder e de transformarem progressivamente toda a sociedade, em vista da construção de 'uma associação na qual o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre desenvolvimento de todos' (…) o 'marxismo', se não for um conceito irrealizável, só é concebível (…) como crítica social assente na ideia (…) de uma democracia desembaraçada do Estado e do Capital".

msp