15/06/10

Vias para uma transição urgente



A época em que vivemos é caracterizada pela omnipresença da instabilidade. Presente ao nível social, económico, político e ecológico, o seu alcance global faz com que todos neste planeta sejam por ela afectados. A instabilidade aumentará nos próximos tempos, à medida que diferentes choques se forem materializando, decorrentes da financeirização da economia, do crescente défice entre oferta e procura de petróleo, do aquecimento global e degradação ecológica por ele agravada. Não falta quem seja da opinião que estamos próximos duma ruptura civilizacional de consequências inimagináveis.

No entanto, a poucos governos parece interessar promover estudos aprofundados sobre vias de superação da crise que se desenrola perante os olhos de todos nós, em particular se apontarem para a necessidade duma mudança radical do actual sistema político e sócio-económico. Certamente porque tal seria visto como uma afronta à ideologia dominante, e por consequência impensável para os nossos governantes por ela formatados, mas também porque seria uma admissão da possibilidade de colapso desse sistema, o que alteraria a percepção, confiança e nível de apoio social ao sistema vigente, acelerando o seu desaparecimento.


Infelizmente, mesmo à Esquerda, onde se encontram os maiores críticos do actual sistema sócio-económico, não parece haver uma percepção correcta de quão longe será necessário ir de modo a fazer frente aos tempos que se avizinham, pois continua-se a acreditar em demasia nas virtudes da centralização do poder decisório, nomeadamente ao nível político, bem como dos meios de produção, e na possibilidade de crescimento constante da actividade económica. Abordagens inovadoras para os problemas que defrontamos e iremos encontrar, muitas delas emergentes da denominada sociedade civil, acabam assim por ser ignoradas. Até porque, numa primeira análise, não parecem encaixar em nenhum dos paradigmas ideológicos que dominaram o pensamento à Esquerda durante o século anterior. No entanto, uma leitura mais atenta revela que essas abordagens partilham muito do ideário da Esquerda. Por exemplo, um dos seus aspectos centrais é a ênfase colocada na cooperação comunitária. Na necessidade de existirem comunidades solidárias, nas quais a cooperação e a deliberação democrática são aspectos essenciais no modo de fazer e decidir. Na valorização destes aspectos da vida comunitária está implícita uma clara escolha igualitária, pois a todos é permitido envolverem-se no processo decisório e todos são incentivados a cooperar na produção dos bens necessários à comunidade. Aquilo que tornará desconfiados alguns à Esquerda é a aparente falta de controlo central, a descentralização e pulverização do poder de decisão. Mas acho que os potenciais problemas daí decorrentes podem ser superados com a implementação de processos co-decisórios entre os diferentes níveis de cooperação territorial (local-regional, regional-continental, continental-global) necessários para uma governação justa e sustentável.

Um centro de estudos que tem prestado muita atenção ao tipo de abordagens atrás mencionado é o nef (new economics foundation). Numa pequena colectânea das intervenções feitas numa série de eventos patrocinados pelo nef, e incluídos no Hay Literary Festival em 2009, intitulada The Art of Rapid Transition, entre outros assuntos, é abordado o movimento Transition Towns, tema dum artigo recentemente publicado no suplemento Cidades do jornal Público, e explicado como a história recente de Cuba pode (em certos aspectos) servir de modelo para a transição sócio-económica que seremos obrigados a fazer. Vale a pena ler, bem como outros documentos publicados pelo nef, em particular The Great Transition, e estar atento ao que vai saindo de um dos mais interessantes e originais centro de estudos que conheço.

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