20/07/10

Crack capitalism

Não faço a barba há já algumas semanas. Na verdade, não aparo, porque fazer mesmo já lá vão alguns anitos que não faço. Vai daí que me lembrei de fazer um post a anunciar o novo livro de John Holloway. Segundo uma imagem a que ele recorre no seu último livro, o muito discutido Mudar o mundo sem tomar o poder, eu estarei ainda na fase da acumulação primitiva. Até aqui, nada de muito novo. A variação é que o “ainda” vem aqui a mais. Ou melhor, para Holloway o ainda é também um já, o que deita abaixo todos os discursos assentes em conceitos de atraso e progresso (com exagero, mas não sem verdade, um anti-marxista primário podia dizer que deita pelo chão boa parte do marxismo político do século XX). Ainda mas també porque, seguindo Holloway, os que não fazem a barba estão sempre em cima do acontecimento, à beira das lutas finais. A transformação do ser primitivo (o campónio ou o bárbaro, para sermos mais directos) em trabalhador, esse processo de civilização a que alguém chamou acumulação primitiva, não foi ontem, mas sucede hoje. Porque todos os dias há uma luta final que se trava entre o trabalhador e o não-trabalhador, de tal modo que o proletariado não é propriamente algo que já passou ou que ainda existe, mas algo cuja actualidade se decide sempre que, ao tocar do despertador, um misto de inércia, instinto, revolta, leva a que o desliguemos. Esse tempo é o tempo de uma indecisão, de um ainda-já. Em Portugal, as ideias de Holloway (que ele não rejeitaria que fosse classificado como um autonomismo adorniano) foram caricaturadas por Miguel Urbano Rodrigues e discutidas e caricaturadas por Francisco Louçã. Mais séria, embora ainda assim brevíssima, a citação que delas faz Boaventura de Sousa Santos, num dos seus artigos dos últimos anos, em torno da relação entre o político e a temporalidade no contexto sul-americano. Daqui partirei, com mais vagar, para o desafio romântico de pensar um zapatismo urbano, tal como lançado por Holloway e os seus colegas de Puebla. O camarada Passos Coelho, com as suas propostas de interditar constitucionalmente o direito à auto-gestão, que se cuide.

1 comentários:

Anónimo disse...

Se tiver credibilidade a profecia de Holloway – há profecias credíveis – segundo a qual os que não fazem a barba estão à beira das lutas finais, com a ressalva de que as lutas finais não serão as últimas mas apenas as próximas, resta-me apenas desejar ardentemente que o Zé Neves prossiga a sua saga épica de recusa em fazer a barba. A minha não é muita mas manifesto desde já inteira disponibilidade para dar também o meu modesto contributo.

Quanto ao mais anotei o autor – que não conheço – na lista das minhas leituras prioritárias. E aproveito também para saudar o Zé Neves por mais esta reflexão repleta de inteligência e humor.

nelson anjos