23/07/10

Para acabar de vez com a política

O João Miranda resolveu abandonar as falácias em formato soundbyte e lançou-se numa explanação dos seus pontos de vista sobre a sociedade at large.
O começo não é auspicioso: «Grande parte da população educada e culta do país trabalha nos sectores da educação e da saúde». Trata-se claramente de um erro de paralaxe de quem está dentro de um dos sectores elencados; ou isso ou “grande parte” já não quer dizer grande coisa. Adiante.
O mais estranho é mesmo ver como alguém que há anos escreve num blogue político saliva enquanto demoniza e menospreza a Política. Começando logo pelo título da posta, que nos desafia a «despolitizar a sociedade».
Nem vale aqui a pena explicar as origens da palavra ou esclarecer que “Política” não é apenas o Passos Coelho em exercícios de erística com Sócrates; em última análise, o exercício colectivo da política é o que faz de nós cidadãos, não meros habitantes de um dado pedaço de terreno.
Mas JM imagina que poder debater, reivindicar, modificar a vida, tudo isso é sinónimo de coisa má, a expurgar bem depressa. «O mérito, a capacidade de fornecer um serviço a um nicho, a capacidade de gerar ideias inovadoras, tudo isso interessa muito pouco comparado com a capacidade de pensar e agir politicamente»; e claro que esta presença da porca política tem de estar ligado à malfadada esquerda: «uma sociedade socialista e politizada em que o que conta é o poder».
Só mesmo dominados pela esquerdalha é que «Regras constitucionais como o “tendenciamente gratuito” e a obrigação do Estado de manter uma rede pública de saúde servem para manter coesa a coligação de interesses que sustenta o socialismo». No entanto, basta recorrer a um exemplo que o próprio JM usou, a Suécia (esse bastião do comunismo), para o desmentir flagrantemente: «All children covered by compulsory schooling shall be entitled to a free basic education at a public school. The public institutions shall be responsible also for the provision of higher education» e «shall be incumbent upon the public institutions to secure the right to health, employment, housing and education, and to promote social care and social security.» Eis o vampiresco socialismo na sua versão mais feroz, exposto nas leis fundamentais suecas, ainda ontem defendidas pelo JM como exemplo rutilante da neutralidade!
Para este blasfemo, viveríamos felizes sem qualquer tipo de Estado. Se este se dissolver e deixar de ser responsável seja lá pelo que for, acaba-se a Política e reina apenas o Mercado; acaba-se esse bicho manhoso – sempre com a mania que quer e pode fazer Política – o Cidadão, e prolifera o senhor absoluto da Mirandéria: o Consumidor.
Conclusão em forma de lapalissada: «Se uma grande parte da população tiver que pagar aquilo que agora é gratuito, passa-se mais facilmente para o lado daqueles que defendem a redução de impostos.» Claro; se for cada um por si, sem qualquer espécie de serviço prestado por entidades estatais, quem se lembraria de pagar um só euro de impostos?
Esqueçamos portanto que o Estado democrático não é um invasor imposto por marcianos, mas sim a estrutura que possibilita a cada um de nós exercer alguma influência sobre a nossa vida colectiva. Daqui para a frente, que falem apenas as nossas carteiras.

1 comentários:

Justiniano disse...

Rainha, tendes razão quanto à não neutralidade da constituição da Suécia. Mas pergunto!! Olha para a redacção do texto Sueco e depois olha para a redacção da tal quase proposta do PSD, depois lê tudo no seu respectivo conjunto e diz-me qual dos dois entendes mais próprio à estatuição de Estado de Direito Social!? Depois refere se uma proposta no sentido de plasmar um quase texto sueco, e tão "socialista", como aqui o transcreves e naquele tocante seria ou não entendida como um canibalesco ataque ao grandioso Estado Social!!