22/07/10

A verdadeira "Constituição da República"

Leia-se este excerto da peça jornalística que o nosso sempre mais do que denodado camarada Luis Rainha já aqui citou:

"Temos de ser muito cuidadosos com o nosso relacionamento político com Angola", advertiu ontem o Presidente da República, sublinhando que é preciso "nunca deixar dúvidas de que respeitamos Angola, os seus dirigentes e as opções do povo angolano".
Numa conferência de imprensa que deu ontem ao final da tarde no Lobito, já em jeito de balanço da visita oficial, Cavaco Silva defendeu que as relações com o país de José Eduardo dos Santos devem ser "inteligentes", porque "Angola é um mercado em expansão que pode ser aproveitado de forma crescente pelos empresários portugueses".

Não é preciso grande subtileza para traduzir a profissão de fé de Cavaco Silva na prioridade política absoluta que confere à economia ou à razão económica sobre quaisquer outros valores, princípios ou fins como critérios da "vida boa" ou do melhor regime de governo da sociedade. Mas deveríamos antes examinar que estranho automatismo nos leva a admitir com naturalidade que alguém que faz esta profissão de fé se possa representar e ser representado - pela "opinião" e nos termos do vocabulário corrente - como magistrado de uma "democracia" ou sequer simples "Estado de Direito".
Se o começássemos a fazer, um mínimo de equidade e lucidez levar-nos-ia a reconhecer que - para além da antipatia que Cavaco possa inspirar a muitos de nós - esta sua profissão de fé poderia ter sido feita, em circunstâncias semelhantes, pela esmagadora maioria (e é dizer pouco) da nossa "classe política", constituindo o objecto de um consenso entre as forças políticas "responsáveis" e de um "pacto de regime" mais profundos e efectivos do que tudo aquilo que, na cena política dominante, se entende ou designa por meio desses termos.

Em vão, segundo creio, procuraríamos, por exemplo, entre os candidatos já em campo ou só pré-anunciados às eleições presidenciais, ou, também, entre as "figuras políticas com peso político reconhecido",  uma profissão de fé diferente, em relação a Angola ou a outras realidades, em circunstâncias comparáveis às que presidiram às declarações de Cavaco Silva. Que concluir senão que a profissão de fé de Cavaco é a verdadeira "Constituição da República" - ou melhor, de um regime só por antífrase dito "republicano" e "democrático" e que tem por lei fundamental a razão instrumental da economia, a par do proveito dos detentores dos postos oligárquicos da sua direcção?

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