29/08/10

Assim é que não, Renato Teixeira

Como ontem passei aqui alguns minutos a reflectir em voz alta sobre o que considerei uma atitude pedante e maternalista da Fernanda Câncio, penso ser necessário separar as águas e dizer que não, como dizia o Cesariny, "nunca fui adepto das comunidades práticas de pregar com pregos as partes mais delicadas da matéria", e que não, não vale tudo contra a pessoa da Fernanda Câncio ou seja de quem for, quando se discorda dela (ainda por cima por péssimas razões). Por isso transcrevo aqui o comentário que acabo de enviar para a caixa dos mesmos do seguinte post do Renato Teixeira, marcadamente regressivo de qualquer ponto de vista conceptual, ético e político:


Comentário de miguel serras pereira
Data: 29 de Agosto de 2010, 8:57
Renato,
pode-se discordar da Fernanda Câncio em muita coisa: é social-democrata tendência Terceira Via, cai no sentimentalismo como numa vala, tem tiques de catequista, auto-sabota o seu notável sentido da prosa com cedências à retórica de magazine, engana-se apostando na multiplicação das migalhas dos direitos identitários fracturantes contra a cidadania republicana que pretende defender, tem um salão mundano mortalmente enfadonho, brinca aos jantarinhos no/na Jugular – enfim, o que quiser. Mas nada disso a impede de ter razão neste caso, como nada disso impede que seja inadmissível insinuar que ela é paga ou que a manifestação que apoiou contra a lapidação como punição do adultério seja uma iniciativa paga e lucrativa. Assim, não é possível discutir seja o que for. Tome atenção, Renato: você deve lembrar-se da revolta que causou aos seus camaradas mais velhos serem acusados por certa gente, não de defenderem posições erradas (ou seja, no caso, as de Trotsky), mas de serem agentes da CIA ou, numa fase anterior, da Gestapo, e financiados pela administração norte-americana ou, anteriormente, pela Alemanha nazi. O que você está a fazer, sem se dar conta disso, é a utilizar contra a Fernanda Câncio, a mesma lógica cínica dos que acusavam os “nazis-trotskistas”, não de terem ideias diferentes sobre a “construção do socialismo”, mas de banditismo político e terrorismo contra-revolucionário.
Acha mesmo que a Fernanda Câncio foi paga pelos serviços secretos sionistas? E, já agora, foi caso isolado? Ou a fotografia que ilustra o post do Nuno Ramos de Almeida intitulado “Indesculpável” foi também fornecida pelos americanos da CIA, tal como, sempre segundo a mesma lógica, alguém deve ter financiado o computador em que o Zé Neves escreveu o que você leu ontem no Vias? Isto, para não falar de mim, que, desde que traduzi as blasfémias anti-maometanas do Rushdie, tenho sido pago pelos serviços secretos ocidentais através de editoras-fantasma e só em divisas.
Ora, Renato, se estávamos a tentar falar e discutir politicamente um tema importante, como julguei que você achava que valia a pena e era possível, para quê uma inversão de marcha tão acelerada, manobra sempre de alto risco para o condutor, sem que nada na estrada por onde íamos o tenha justificado?
msp

Sem mais - até mais ver.

2 comentários:

Niet disse...

O Renato Teixeira tem dado provas de heterodoxia e revelado vontade de querer pensar no/para o futuro, sem vedetismos ou espúrias vaidades de pechisbeque ideológico, caro MSP, o que é de salientar e reconfortar, convenhamos.A ilusão do voluntarismo( e esquematismo) causou-lhe agora uma derrapagem. A rentrée tinha sido espectacular e promissora nessa paisagem em ruínas... O combate ideológico é, hoje, ou rudimentar ou super-complexo, exigindo meios e disponibilidade muito exigentes. Ainda me lembro do E.Prado Coelho me dizer em Paris,nos anos 80, antes da sua longa estadia institucional na capital francesa, que vivia com reduzidos recursos e fazia uma sádica ginástica para tentar " estar à la page"...Imagine-se o que se passa nos tempos que correm. Só uma solução colectiva/solidária e anti-familialista e não-sectária, será capaz de ultrapassar a falta de Informação e Conhecimento. Como é evidente! Por exemplo, desde 1991 que o Castoriadis disse o fundamental sobre o futuro do Mundo Árabe: " Trata-se de países onde as estruturas do poder ora são arcaicas, ora são uma mistura de arcaismo e estalinismo. Pegou-se naquilo que havia de pior no Ocidente e colou-se tudo sobre uma sociedade culturalmente religiosa. A teocracia numa foi abalada nessas sociedades: o Código Penal é o Corão, a lei é sagrada, não é o resultado de uma vontade nacional. O próprio Corão é substancialmente divino, não é um texto ordenado por mãos humanas. Subsiste esta profunda mentalidade que volta a surgir perante a modernidade. Ora a modernidade são também os movimentos de emancipação que desde há séculos se produzem no Ocidente. Existiram lutas multisseculares para conseguir separar o religioso do político. Um movimento deste tipo nunca se desenvolveu no Islão ", in" C.L. IV". Niet

Justiniano disse...

Caríssimo Niet,
Os Renatos, por vezes, levam-se demasiado a sério e deixam-se enredar num emaranhado patológico de suposições e pressupostos erroneamente representados.
A coerencia elevada à tontice é apenas tontice, quando não é vulgar teimosia! Nunca, virtude!! A ambivalencia nunca foi virtude!!
A questão, caro Niet, é a de que aqueles que elegem todas as resistencias ao mundo liberal como virtuosas por naquelas vislumbrarem uma putativa resistencia ao "capitalismo" (em cuja ontogénese a criatura ganhou tentáculos para além da metafísica do criador), oferecem-se a um eventual martírio, combatendo muralhas de vento, que seria, com a devida prudencia, escusado!!!
Mas de algum modo os Renatos lá saberão que para a prevalencia dos seus valores aqueles que, circunstancialmente, defendem terão de ser derrotados!!