20/09/10

Integrar



Coimbra está repleta de estudantes a gritar coisas. Alguns de megafone da mão, outros enfileirados obedecendo a uma ordem. É a estúpida da praxe, outra vez. Todos os anos me convenço que é desta que não me vou indignar. Mas é mais forte do que eu. Aqui deixo um texto que escrevi o ano passado para o blog do MATA.

O QUE EU PENSO DAS PRAXES

Penso que a praxe integra. Integra a crença de que a humilhação e o arbítrio podem dar lugar a formas salutares de relacionamento. Integra os cânticos boçais e a gesticularia grosseira no complexo das “culturas académicas”. Integra rituais de carácter hierárquico ou punitivo que privilegiam a autosuficiência grupal em detrimento do direito à dissidência ou à timidez. Integra as “tradições” como um valor em si, independentemente dos juízos que sobre elas possamos fazer. Integra uma nebulosa de desconhecimento sobre a origem das tais “tradições”, em regra bastante recentes e “impuras”. Integra o machismo e a homofobia no senso comum. Integra os estudantes numa estranha mistura de irresponsabilidade e elitismo social. Integra a ideia de que brincando à obediência se fomenta a liberdade. Integra a noção chantagista de que “tudo é praxe”, mesmo quando muitas práticas efectuadas em território estudantil ocorrem à margem ou contra aquilo que a praxe pretende integrar. É verdade, a praxe integra. Só falta agora desintegrá-la.

12 comentários:

Luís disse...

Boa, Miguel.

Miguel Serras Pereira disse...

Maré (muito) alta, camarada MC

Forte abrç

miguel (sp)

rafael disse...

Perfeitamente de acordo

Ana Cristina Leonardo disse...

quando vi o título do post pensei que era sobre os ciganos... (é que já não posso ouvir a palavra "integrar" sem me subir a tensão)

Miguel Cardina disse...

Também não gosto nada da palavra, Ana Cristina. É quase tão má como "tolerância"...

Anónimo disse...

Apesar de não gostar da praxe, tenho amigos que a frequentaram e adoraram. As amizades que se criam por ali são coisas semelhantes às do exército. É uma matéria que se trata com o coração, e não com a cabeça. Todos sabemos que só vai à praxe quem quer e ela não desaparece.

Ana Cristina Leonardo disse...

As amizades que se criam por ali são coisas semelhantes às do exército

huummm

Todos sabemos que só vai à praxe quem quer e ela não desaparece.

... precisamente (e não se pode exterminá-la?)

emanuel disse...

team ana cristina leonardo!

emanuel disse...

e mais! puta que pariu a praxe, puta que a pariu, puta que a pariu, puta que a pariu, todos os dias santos e úteis! caralhos a fodam, muitas e boas vezes e contra a vontade e atada a um poste. ceifeiras-debulhadoras lhe passem por cima e a reguem de álcool étilico a seguir!

a praxe é o que me envergonha na condição humana.

agent disse...

Muito bem.

Unknown disse...

Na verdade concordo e não concordo. Durante a história humana e social as "cerimónias de integração" em qualquer grupo sempre fizeram parte dos mecanismos que estabelecem laços, criam sensação de pertença e fomentam a união por partilha e vivência de regras, momentos, rituais e afins. É indiscutivelmente parte dos processos de construção social.
A praxe deveria ter (e concordo com a semelhança do exército) uma função de união e coesão entre aqueles que ao entrarem num espaço, na maior parte das vezes distante e desconhecido, se sintam não alheios mas integrados em algo novo. A praxe é uma atitude saudável de brincadeira, partilha e receptividade dos mais velhos aos mais novos. Foi assim a minha praxe em Évora em 1987. E é assim que a praxe tal como a entendo deveria existir.
Mas isto é a praxe, agora se falarmos das mentes triste, curtas, frustradas e medíocres daqueles que utilizando as praxes, descarregando nos “mais fracos” as suas frustrações e necessidades de grandeza ou segurança aí entramos nos porquês do descrédito das praxes. São no fundo pessoas que não têm em si os fundamentos necessários a criar relações saudável, dentro do respeito, cidadania e consideração pelos outros ou a sua diferença.
Penso que devemos diferenciar as coisas. Um carro não mata se ninguém o conduzir. Só por si um carro é algo útil, transporta comida, medicamentos, pais e filhos, leva-nos a passear e tanto mais coisas para as quais a sua existência faz sentido. Mas uma besta bêbeda torna-o numa arma impiedosa.
Não é “eliminando” que se ganha algo mas sim” Iluminando” as almas e as sociedades para o verdadeiro significado das praxes e “eliminando” os tristes que as aplicam indiscriminadamente.

Anónimo disse...

Vem tarde, o meu comentário, mas: conciso e certeiríssimo, caro Miguel.