18/12/10

É por isso que este país não avança: há gente que pensa demais e quanto às mulheres da limpeza não viram passar ninguém vestido de cor de laranja

A esquerda e a direita – decididamente – já não são o que eram. Enquanto nos EUA há republicanos indignados com as tentativas de silenciamento e criminalização da WikiLeaks (ver aqui) em Portugal uma larga faixa de gente que se assume de esquerda interroga-se, medita, tem dúvidas. Em alternativa, desconsidera o fenómeno.
O argumento mais recente avançado por esta esquerda inquieta (e cá para mim inquietante) vem embalado num twist pouco gracioso que tenta matar dois coelhos com uma só cajadada.
Diz o argumento (versão requentada do alfaiate do panamá): quem nos garante, afinal, que, para mostrar serviço, os embaixadores não tenham contado uma data de aldrabices nos telegramas?
Lançada a dúvida, avança-se com o segundo golpe: os radicais anti-americanos, sempre tão críticos dos states, deram para acreditar piamente em tudo o que os telegramas dizem. Ah! Ah! Ah! (isto é a esquerda inquieta a rir dos radicais anti-americanos).

Deixando de lado o facto de conceitos como “verdade”, “liberdade”, “democracia” não dependerem dos seus proponentes (mais ou menos radicais), não nos podemos deixar de surpreender com esta súbita vaga de inquietação metafísica, absolutamente rendida à Eigentlichkeit heideggeriana (que me vão permitir que traduza por “Autenticidade”).
A síntese da coisa surgiu há já alguns dias e veio assinada por esse paladino do pensamento complexo que dá pelo nome de Valupi: “Os imbecis da esquerda imbecil confiam cegamente em qualquer coisa que a diplomacia norte-americana ponha por escrito. Extraordinária revelação."
Valupi faria escola. O único senão é que, enquanto a propósito do fenómeno WikiLeaks (e da referida revelação) alguns vão tendo orgasmos intelectuais múltiplos e outros insinuando até teorias conspirativa quiçá com origem na América, o país real contenta-se com questões mais prosaicas. Um exemplo.


Vendo bem, são uns para os outros. E como é Portugal ninguém leva a mal.
Ou conhecem mais algum país onde não houvesse a porra de um jornalista que perguntasse o que raio são voos de repatriamento: e para onde os repatriavam, senhor ministro da presidência? para o RITZ lá do sítio?
De facto, chega uma altura em que não há paciência para tanto imbecil junto.

3 comentários:

Manuel Vilarinho Pires disse...

Se procurarmos explicar as reacções ao caso Wikileaks à luz da frenteira entre a esquerda e a direita é difícil chegarmos a uma conclusão.
E até deito mais uma acha para essa fogueira, aqui,
http://www.jornaldenegocios.pt/home.php?template=SHOWNEWS_V2&id=458947
Já se ensaiarmos a tentativa de explicação das reacções a este caso à luz de outra fronteira, a que separa a situação da oposição, talvez sejamos mais bem sucedidos...
Será que as opções políticas são mais determinadas pelo contexto do que pelas convicções?

M. Abrantes disse...

O problema na interpretação de tudo isto, é que não há sentidos únicos, antes existem voltas, mais voltas, voltas dentro de voltas, etc.

Por exemplo, o Wikileaks e Assange são apoiados, incondicionalmente, por muita gente, estes apoiantes constituindo um large group of people.

Zeca Diabo disse...

“Only death is what is most own. There are degrees of property. Thus I
would translate Eigentlichkeit as the more general “what is one’s own.”
This makes the connections to selfhood and “and in each case mine”
[Jemeinigkeit] clear. (Actually, I leave it at authenticity, but it must
be thought in terms of property and having — ousia –, and not as genuine
choice).

Charles Taylor, of all people, is on to something when he understands by
authenticity what belongs to the self, and that this self is quite thick:
what is “mine” includes not just mind and body, or property things, such as
cars and pens, but also place of residence, country, tradition, world, etc.
I think for Heidegger what is one’s own includes anything that one can say
“mine”.

What is most one’s own, death, refers, IMHO, to our essence as finite
beings, which distinguishes us from both animals who perish and gods who
are immortal.

Chris”

http://an-archos.com/pipermail/heidegger_an-archos.com/1997-May/003206.html