15/01/11

Imperialismos, autodeterminação e independência

Em resposta ao Zé Neves, Nuno Ramos de Almeida escreve, entre outras coisas, "Para ele a questão nacional não existe. Perante a luta dos povos oprimidos é favorável às teses do Império, nem que isso signifique ser apoiante do imperialismo. No quadro de um referendo pela autodeterminação do País Basco, votaria na manutenção do domínio de Madrid.(...) Isso coloca um problema prático de difícil resolução no negrismo: na Irlanda do Norte optamos pelo Reino Unido? Na Palestina optamos por Israel? No Kurdistão pela Turquia? Em Timor pela Indonésia?"

As minhas opiniões sobre esses assuntos provavelmente serão diferentes das do Zé Neves e dos "negristas", mas um ponto (que pode parecer irrelevante, mas na minha opinião é muito importante) que o NRA (e também o ZN, pelo menos na semântica) parece estar a deixar de lado é a distinção entre "autodeterminação" e "independência"; é verdade que nas últimas décadas todos nós lemos (e alguns escrevemos) montes de artigos, panfletos, etc. em defesa "do direito à autodeterminação e independência do povo [X]" e isso mistura um bocado os conceitos, mas são coisas diferentes - podemos ter autodeterminação sem independência (exemplos - Quebec em 1980 e 1995) e independência sem autodeterminação (possivel exemplo: duvido que em 1860 a maioria da população - os escravos - da Carolina do Sul ou do Mississipi defendesse a independência face aos EUA).

Agora, o que é se está a defender para o Pais Basco, a Irlanda do Norte (e eu acrescentaria, para os condados do sudoeste da Irlanda do Norte - é largamente esse o problema), ou o Kurdistão? A autodeterminação - o direito da população desses territórios decidir se quer ou não ser independente - ou mesmo a independência em si mesma?

Se a questão é o direito à autodeterminação, e sem poder falar pelos outros, sinceramente não vejo qual a diferença entre isso e a posição "havendo quem o reivindique (e há e não são poucos), um comunista não-patriota deve apoiar a realização de um referendo sobre a autodeterminação do País Basco"; se a questão não é apenas defender que os bascos, curdos, etc., devem ter o direito a decidir se querem ou não ser independentes, mas mesmo defender que devem decidir ser independentes, eu pergunto "Porquê?"; há alguma razão para supor que um Euskadi governado, por exemplo, pelos conservadores católicos do PNV seria preferível a uma Espanha governada pelo PSOE?

A minha opinião sobre o assunto - acho que a população de qualquer comunidade territorial deve ter o direito (mediante um referendo ou algo parecido, e eventualmente por uma maioria qualificada) de proclamar a sua independência, se assim o entender; não quer dizer que, na maior parte dos casos, ache boa ideia exercerem esse direito (da mesma maneira, defendo a legalização da heroína, mas não acho boa ideia o seu consumo).

No entanto, há uma nuance que creio distinguir a minha posição da do Zé Neves (que, de qualquer forma, provavelmente assenta em pressupostos filosóficos diferentes dos meus) - num mundo que, de forma geral, aceitasse o direito à autodeterminação, penso que a minha posição seria quase igual à dele (seria a favor de se poder fazer referendos sobre a independência, e possivelmente apoiaria o "Não" nesses referendos). Mas não é nesse mundo que vivemos, mas sim no mundo do "Estado uno e indivisível, com fronteiras invioláveis" (mesmo os movimentos separatistas querem é construir novos "Estados unos e indivisíveis, com fronteiras invioláveis" - veja-se a ETA, que quer incluir Navarra e Alava no seu Euskal Herria, mesmo contra a vontade dos locais) - só sei de dois países (Etiópia e Liechenstein) que reconhecem, constitucionalmente, às suas regiões o direito à autodeterminação. E, enquanto o paradigma do "Estado uno..." for o dominante, simpatizo com os separatismos, não porque ache que há grande beneficio em dividir o mundo numa carrada de micro-estados, mas porque as independências e secessões contribuem para fragilizar esse paradigma e abrir caminho para a ideia de que qualquer território cuja população queira ser independente deve ter esse direito. Por exemplo, acho que a provável independência do Sul do Sudão, talvez amanhã, vai ter o importante papel de deitar abaixo a "ideia sagrada" em África de que "não se mexe nas fronteiras coloniais".

12 comentários:

Anónimo disse...

Não me vou pronunciar sob a totalidade do teu post. Agora, é falso que a ETA ou HB queiram incluir Navarra e Alava no País Basco contra a vontade dos próprios. Para já deves corrigir um erro grosseiro, Alava já pertence à Comunidade Autonómica Basca, por vontade própria. Depois, o que os sectores abertzales defendem é o direito de o País Basco histórico (Vizcaia , guipuzcoa, Alava, Nafarroa e Iparralde (país basco francês ) ) se pronunciarem em referendo sobre a sua possível autodeterminação. Pronunciarem-se não significa integraram à força o País Basco.
O que me maravilha no consenso castelhano que tu e o Neves encabeçam é o facto de vocês resumirem a questão nacional basca a uma invenção da ETA e, aparentemente, não admitirem que a questão é anterior à formação da organização armada, e existirá , caso a questão política da autodeterminação não seja referendada, depois da sua eventual extinção. A questão é resultado de um processo histórico longo, muita mais longo que os últimos 30 anos, em que os bascos e a sua cultura foram reprimidos pelos governos de Madrid. Estive, por exemplo, em algumas aldeias do norte de Nafarroa em que grande parte da população tinha sido fuzilada, depois da guerra civil, pelos franquistas, por serem bascos e independentistas.
Uma questão nacional é produto de uma resistência, mas também é produto de uma opressão. Vocês, pelos vistos, escolheram votar imaginariamente pelos opressores num hipotético referendo.

NRA

Miguel Madeira disse...

Alava faz parta da "Comunidade Autónoma Basca", mas normalmente os partidos "basco-istas" (PNV, EA, Batasuna, etc.) são lá minoritários, pelo que se presume que a região não desejasse integrar um Euskal Herria independente.

"e, aparentemente, não admitirem que a questão é anterior à formação da organização armada, e existirá , caso a questão política da autodeterminação não seja referendada, depois da sua eventual extinção."

Penso que tanto o NRA como o Zé Neves como eu somos a favor do referendo e do que eu chamo "autodeterminação" (embora me dê a ideia que o NRA e o ZN não dão à palavra o mesmo significado que eu).

O NRA diz que votar "não" à independência seria votar ao lado dos opressores - mas o meu ponto é exactamente que, se o Estado espanhol autorizasse as suas regiões a referendarem a independência já não seria opressor, pelo que já não havia nenhuma razão especial para defender o "sim".

Já agora, se o NRA fosse um turcófono da Ásia Central russa em 1920 iria defender a independência face a "República dos Sovietes", devido ao passado histórico de conquista e ocupação militar pelo império russo?

Anónimo disse...

Tás a misturar alhos com bugalhos. Repara:

Se o Estado Espanhol aceitasse um referendo no país basco e não seria prova da sua "bondade" do seu carácter democrático e "não opressor", mas resultado da luta do povo basco. não sei se estás a ver a diferença?

É uma diferença como esta: antes do 25 de Abril existiam "nacionalistas angolanos" e "patriotas portugueses"...

Miguel Lopes disse...

Prefiro libertar uma República governada pelo PNV, do que a manter numa monarquia governada pelo PSOE. Por razões que explicarei a pedido..

Cumprimentos

ChapeleiroLouco disse...

obvio que todo o grupo de pessoas que o entender deve ter direito à auto determinação. por falar nisso e a papua ocidental? o novo timor leste. tal como timor, os eua estao a ajudar os indonesios a reprimir essa população... mas isso dava pano para mangas.

nao sei se se lembram da bela frase dos soares, esse freedom fighter; "timor é territorio indonesio." e fica a questão, se os fire fighters lutam contra o fogo, o que fazem os freedom fighters?

miguel lopes,

eu não percebo essa sua escolha. tudo bem que a monarquia espanhola só serve para sorver recursos do erario publico de resto, pouco poder tem, a não ser pela sua importância decorativa. de resto, o pnv é conservador, e aí sim as forçs conservadores teriam poder executivo.

Anónimo disse...

O NRA esquece os governos de Paris, que sem franquismo, nem fuzilamentos, fizeram desaparecer muito mais a cultura basca de Iparralde (em 1974 falava esukera o 8% dos bascos "franceses", contra 17% dos bascos "espahóis"). E hoje, trinta anos depois do franquismo, a vitalidad da cultura basca "espanhola" é infinitamente superior à vitalidade da cultura basca "franzesa". Se calhar as formas subtis da repressaão franzesa são mais poderosas que as castelhanas... ou se calhar a história tem de se contar desde parámetros diferentes.
Deletereo

Anónimo disse...

Escusas de te grizar todo!

Simplesmente acho que alguém que defende a realização dum "referendo sobre a autodeterminação" para poder votar "não" é o cúmulo daquela coisa, o "cretinismo parlamentar".

E só mais uma coisa (e esta carapuça nem é pra ti):

é só risota este pessoal do futebolês muito preocupado com as nuances entre patriotismo, nacionalismo ou internacionalismo. Porque a teoria é muita, mas logo depois lembram-se que tá na hora do jogo e poêm-se a urrar como animais plo Benfica & selecção sagres de futebolistas...

Bom fim-de-semana a todos

Miguel Serras Pereira disse...

Anónimo das 17 e 54

para o bem e para o mal, um referendo pode ser cretino, mas não é, por definição, parlamentar.
Mas, indo ao fundo da questão. Muita gente exige um referendo para poder votar "não" - não há qualquer novidade nisso. Ainda há pouco tempo se discutiu se os avanços (pseudo-avanços) na construção da UE deveriam ou não ser referendados. muitos dos que exigiram o referendo desses "avanços", faziam-no tendo em mente votar "não". Outros, entre os quais me incluo, que acham que uma constituição, um orçamento comum, etc. da UE criariam melhores condições de luta por uma democratização político-económicaradical ("socialista") das instituições europeias, nem por isso dispensam que as propostas que defendem nesse capítulo não sejam sufragadas em termos referendários.
1. A realização de um referendo no País Basco seria, assim, uma vitória sobre o centralismo castelhano, correspondendo à satisfação de uma reivindicação de inspiração democrática que o Estado espanhol tem combatido e posto fora da lei "desde sempre".
2. Uma vitória do não à constituição de um Estado basco seria uma derrota do chauvinismo e do princípio hierárquico-estatal - sobretudo, no caso de uma parte importante dos defensores do "não" o defenderem como primeiro passo de uma revisão constitucional (a revisão seria inevitável, em qualquer caso) e momento de uma luta visando que "a monarquia e o centralismo "castelhanos" fossem desmantelados através de uma solução federativa, na qual a "região portuguesa" entrasse de parte inteira, juntamente com as regiões ou países basco e catalão, galego, etc., e que não pusesse em causa a UE, antes contribuísse para criar as condições da democratização a todos os níveis das suas instituições" (como já escrevi num dos comentários ao post do Zé Neves: http://viasfacto.blogspot.com/2011/01/euskadi-ta-askatasuna.html )

Saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

Miguel,
Não sei qual seria um resultado de um referendo. Mas não é verdade que os partidos nacionalistas bascos, quando concorria a HB ou EH, sejam sempre minoritários em Alava. As últimas eleições durante a anterior trégua, e em eleições anteriores a elas, os partidos nacionalistas foram maioritários, em relação ao PP e PSOE, a posição da IU não é clara nessa matéria. Mas digo-te que o facto de serem maioritários não garante que ganhe a independência em nenhuma das três províncias. Um referendo sobre o direito à autodeterminação seria uma realidade política nova, com resultados eleitorais desconhecidos.
A questão que eu coloco é outra: tu e o Zé Neves fazem uma opção de nacionalismo, perante umas eleições em que se pretende uma escolha entre a independência de um país basco e o domínio de Madrid, vocês escolhem o segunda situação. Não vejo de que maneira essa escolha é menos nacionalista do que a outra.
Com a agravante que a maioria da militância socialista de esquerda nessas sociedades estar organizada no BNG (Galiza), na HB e dissidentes (País Basco) e na Esquerda Republicana da Catalunha e IC (na Catalunha). Basicamente, significa seguir as teses de má memória obre a Espanha única e indivisível. Eu prefiro achar que as pessoas têm direito a escolher aos espaços políticos a que querem pertencer, têm direito à autodeterminação.
Tenho uma imensa curiosidade em saber qual será a vossa posição sobre, por exemplo, a situação no Sahara Ocidental, se os "comunistas internacionalistas" também são pela manutenção da integração dos saharauis na monarquia marroquina, caso a ONU consiga organizar um referendo.
NRA

Miguel Madeira disse...

"Eu prefiro achar que as pessoas têm direito a escolher aos espaços políticos a que querem pertencer, têm direito à autodeterminação."

Tanto no "sim" como no "não" as pessoas estão a escolher os espaços políticos a que querem pertencer e a exercer o direito à autodeterminação

Já agora, talvez não tenha ficado claro no meu post, mas se fosse basco NÃO SEI como votaria nesse eventual referendo (reler os meus dois últimos parágrafos)

CN disse...

Assim, há partida, também não existem razões para temer os micro-estados, mais do que podemos temer os grandes (actuais) estados.

CN disse...

Assim, à partida...