19/04/11

Uma ternurenta defesa de mais do mesmo

Fiquei enternecido com esta defesa da honra do Partido. É pena que fuja às questões incómodas que aqui levantei:

porque é que o PCP (e o BE) não têm insistido na ilegitimidade do actual governo de gestão para assinar qualquer acordo com a "troika"?

o que é que o PCP (e o BE) têm feito para efectivamente impedirem o golpe de estado que o actual governo de gestão prepara, com o apoio de PSD e CDS, e o patrocínio do Presidente da República?

(não, não me falem na manifestação frente ao ministério das finanças de ontem, convocada pelo PCP, e que reuniu umas poucas centenas de pessoas: apenas provou que o PCP, capaz de facilmente mobilizar milhares de pessoas quando realmente quer, não está interessado por aí além em forçar o confronto com quem detém o Poder)

Fiquei também admirado com a fé que (alguns) militantes do PCP colocam na política parlamentar. Impediu o PECI? Ou o PECII? Talvez o PECIII? Bom, o PECIV foi impedido... na sua versão "light". Isso quer dizer que aceitam a legitimidade de todos os PECs aprovados na AR, e aceitarão a legitimidade do PECIV+ ditado pela "troika" caso os partidos que o apoiam obtenham uma maioria de assentos na AR? A fé na capacidade de influência do grupo parlamentar do PCP (e do BE) é tal que até se afirma que em caso de ausência do Partido da AR "(...)a classe trabalhadora portuguesa ficaria completamente à mercê dos intentos do grande capital nacional e internacional para ser ainda mais explorada e perder ainda mais direitos." Oh, que seria de nós sem os nobres deputados para nos indicarem o caminho! Aquele que temos trilhado nos últimos 37 anos, e que nos tem levado de vitória em vitória.

2 comentários:

João Valente Aguiar disse...

Guru Pedro Viana,

1- é sempre bom ser enternecedor. A luta é ternura!

2- creio que o PCP considera ilegítima a negociação encapotada não só do actual governo, mas qualquer outro que ceda de forma vergonhosa perante a chamada troika. Uma coisa seria uma renegociação (e abaixamento) da dívida, etc., outra é considerar o FMI legítimo.

3- a malta faz o que pode: comícios, concentrações, etc. O importante é que haja mais luta.

4- quem é que tem fé na política parlamentar. Agora, uma coisa é achar aquele o espaço privilegiado de acção (o que não é a minha posição), outra é cindir a luta parlamentar (secundária mas inescapável) da luta de massas. E de tudo o que se pode ver no PCP, a primeira está ao serviço da segunda.

5- uma coisa é certa. Sem as organizações de esquerda deste país (PCP, CGTP, etc.) não tenho a mínima dúvida que os poucos direitos que os trabalhadores portugueses ainda têm seriam zero ou perto disso. Sem luta não haveria qualquer direito de Abril ainda consignado na Constituição. Isso não quer dizer que não se deva pensar noutras questões para além da necessidade da resistência imediata.

6- eu não falei tanto do papel de influência da bancada parlamentar do PCP, mas do papel que as campanhas eleitorais e a actividade quotidiana dos deputados do PCP em múltiplos cenários: desde a AR propriamente dita, mas mto mais do que isso, como a presença contínua junto às populações que lutam para reabrir ou manter um centro de saúde, junto de trabalhadores em greve, junto de comissões de utentes de serviços públicos ou contra portagens nas SCUT's, etc. Os deputados não decidem pelas massas, mas levam os seus problemas à AR. Porque quando, por exemplo, as populações vêem PS, PSD e CDS chumbar propostas do PCP para não se fechar centros de saúde, para se fiscalizar lay-off's e suspeitas de lock-out ou para não se aplicarem portagens nas SCUT's, essas pessoas que participam em iniciativas de rua percebem que, de facto, está do lado delas. Portanto, a luta parlamentar não substitui a luta de massas. Pode e deve funcionar como complemento desta última. É tão nociva a posição que dá primazia (ou única consideração) ao parlamento como a que procura desprezar em absoluto a luta parlamentar. é sempre menos trabalhoso e menos cansativo acomodar-se num dos pólos.

Pedro Viana disse...

Enternecedor João Valente Aguiar,

Quanto ao seu ponto 2, o PCP acha muita coisa, mas infelizmente nada faz que possa colocar em causa o seu papel efectivo de válvula de escape do actual regime.

Relativamente ao seu ponto 3, o que é importante é que a luta seja inteligente e resulte. Mais luta porque sim é brincar com a vida das pessoas.

Para quem escreveu que sem os deputados do PCP na AR, os trabalhadores portugueses ficariam totalmente à mercê da oligarquia no Poder, o que diz no ponto 4 representa um claro recuo, obviamente sensato.

Não exageraria tanto quanto o faz no ponto 5, mas sem dúvida que PCP, CGTP e outras organizações de Esquerda tiveram e têm um papel importantíssimo na resistência perante a ofensiva da oligarquia. O que eu gostaria de ver era essas organizações a passarem à ofensiva.

Concordo genericamente com o que diz no seu ponto 6. Sempre defendi a importância da acção política em diferentes níveis e palcos distintos, articulada e complementar. Mas sendo o trabalho micro-político necessário para criar as condições sociais para uma mudança sistémica, não é suficiente. É preciso ter visão macro-política, saber ousar quando na presença de momentos de ruptura de paradigma, como aquele por que estamos agora a passar.