19/12/11

Justiça para todos

Longe dos 103 anos de Manoel de Oliveira, terei vivido o bastante para saber que aquilo da Justiça ser cega, surda e muda não é para levar à letra.
No seu melhor, a justiça será zarolha de um olho, surda de um ouvido e gaga como Demóstenes; tendencialmente justa, se quisermos brincar às charadas. Antes isso, porém, do que o pesadelo kafkiano de crianças cortadas ao meio.
A ironia salomónica é um risco: ou por alguém a levar a sério ou por servir para pouco, última hipótese ilustrada neste diálogo retirado do “Manhattan”:

“Isaac: Has anybody read that the Nazis are gonna march in New Jersey? (…) We should godown there (…), get some bricks and baseball bats and really explain things to them.
Party Guest: There is this devastating satirical piece (…) in the Times.
Isaac: Well, a satirical piece inthe Times is one thing, but bricks and baseball bats really gets right to the point.”

Sem mais delongas e directa “to the point”, quero partilhar consigo, “hypocrite lecteur – mon semblable –, mon frère!”, a agradável surpresa que foi assistir, por uma vez, à celeridade da justiça portuguesa.
“Não, não voltarás a abanar fortemente as grades!”, ficou a saber um dos manifestantes condenado por distúrbios em frente à Assembleia da República. Segundo o juiz, de “personalidade desconforme às normas sociais”, o réu levou com seis meses de prisão com pena suspensa por um ano. O outro, uma jovem de 16 anos, pena idêntica por arremesso de uma pedra às forças policiais, apesar de nada nos ser dito sobre o seu grau de perigosidade psicológica, decerto numa mais confundirá uma concentração junto à AR com a cena deapedrejamento do “Vida de Brian”, até porque, como é explícito no filme, “está escrito” que as mulheres não podem ir a apedrejamentos.
Aguarda-se agora que a mesma urgência seja aplicada a outros processos pendentes, entre os quais destaco, aleatoriamente: caso Isaltino Morais, submarinos, Casa Pia, Portucale, BPN,Freeport, Face Oculta…
Não se pode comparar o incomparável? Também acho.

1 comentários:

joão viegas disse...

ahahahah !

Pode, pode. Foi precisamente o que fez o juiz, não destoando alias, nem sequer na maneira, da forma habitual que eles la têm de resolver estes assuntos.

E por acaso, até aposto que eu conseguiria fazer com que v. admitisse que é o menos mal...

Mas o que eu queria mesmo dizer, para além de enaltecer o filme do Woody Allen (sem duvida uma obra prima que todos nos deviamos ser obrigados a visionar pelo menos uma vez por semana) é que a perigosidade psicologica da pedra PRESUME-SE, quando arremessada contra as forças policiais, em virtude das leis da homologia.

E, mais a sério, se v. foi mesmo à audiência, então tera visto uma bela amostra da justiça enlatada produzida a martelo pela administração judicial para despachar a grande maioria dos casos envolvendo delitos penais. E pode acreditar que a rabula sobre a "personalidade desconforme à ordem social" constitui muitas vezes, na justiça criminal, o unico valor acrescentado estampado a seguir à audiência.

Os outros casos que v. tem em mente, de que o Bastonario e uma ou outra vedeta do jornalismo vêm falar de vez em quando à televisão, esses é que são excepção, pelo menos em termos estatisticos.

Esses é que se parecem com filmes. E muitas vezes com filmes do Manoel de Oliveira...

Boas