05/04/12

Por uma política democrática contra a polícia da economia

"Os valores da solidariedade e da inclusão são eixos do modelo social europeu, mas [este] tal como existe hoje, não é sustentável a prazo, defende o presidente do Banco Central Europeu (BCE). “O modelo social europeu está morto” e cabe aos Governos da zona euro avançar com reformas que sejam sustentáveis, observa Mario Draghi" — lemos numa notícia na edição de ontem do Público (4.04.2012), que dá conta de uma conferência de Imprensa em que o presidente do BCE participou.

Não é seria fácil dizer mais chãmente que o poder político efectivo é hoje exercido pela oligarquia que dirige a esfera económica e os seus aparelhos burocráticos de Estado. De resto, esta situação de facto, que permite a Draghi marcar as agendas governamentais e as tarefas da governação encontra-se já em vias já de constitucionalização, através da inscrição em curso nos textos fundamentais de cláusulas que consagram formalmente a soberania da economia acima da vontade popular, como quer que esta seja definida, e deixando nós aqui de parte o facto de essa definição ser, ela própria, uma questão política maior, que o novo curso do capitalismo torna assim mais fácil escamotear e furtar à deliberação dos interessados.

Com efeito, é no mesmo momento em que a expansão da área da economia se afirma cada vez mais como, de direito, ilimitada (tudo deve poder ser posto a render, tudo deve poder ser objecto de transacção e apropriação monetária), que vemos expandir-se também o projecto de redução da política ao político, ou, se se quiser, da política à polícia, como garantia superior da governabilidade. À política — e por maioria de razão nos casos em que as suas decisões passem pela consulta da vontade popular, ainda que indirectamente e a título sobretudo preventivo da ameaça que seria a instauração de processos de participação democrática efectiva dos cidadãos comuns nas decisões que os governam — fica reduzida a uma intendência ancilar da organização económica estabelecida, e, para além disso, poderá quando muito ocupar-se — ouvindo mais ou menos consultivamente os cidadãos para esse efeito — das margens residuais e de fronteira ainda não colonizadas pela economia.

Assim, num primeiro - e sempre actual, sempre reiterado - momento do processo, furta-se a economia à esfera da deliberação e da decisão políticas explícitas. O passo seguinte é a subordinação a essa economia despolitizada da esfera política explícita ou "oficial" transferindo para a primeira o exercício do governo.

Mas se a política — enquanto distinta do político ou da polícia — é a actividade instituinte da deliberação e da decisão explícitas das leis e medidas pelas quais uma sociedade se governa, e se a democracia é a universalização da participação igualitária na autonomia dessa actividade instituinte de deliberação e de decisão governantes, então, a democratização da economia, a sua repolitização explícita e a reivindicação da cidadania económica governante, é a condição necessária e o ponto de partida fundamental da defesa e extensão do que ainda persiste ou insiste em ressurgir, embora sob a pressão crescente de uma ameaça mortal, da ideia de democracia.

1 comentários:

Anónimo disse...

As coisas estão a ficar muito complicadas no espaço da União Europeia, onde a estratégia Draghi de acordar massivos empréstimos tutelados pelo Banco Central Europeu ao sistema bancário privado "caiu", é o termo, em cerca de 50% por cento, nos cofres da rede bancária italiana e espanhola, soma a rondar os 430 mil milhões de Euros. Que tentam " resolver " a curto prazo pequenas fracções dos problemas de crédito e insolvência dos agentes privados económicos transalpinos e de " nuestros hermanos ", cujos totais se agigantam de forma muito perigosa e quase fatal... E onde os casos de resgate português e mesmo irlandês são tratados como secundários. Para não se falar na evidente telescopagem desses dois "casos graves " com a indizível tragédia grega... F. Leclerc assegura que o FMI não tem dúvidas que Portugal precisa de nova linha de crédito de emergência; e o comissário de Bruxelas fala de " ponte " para a economia lusa reentrar nos mercados em...2015/7. Ninguém se entende e não há hipóteses de planos eficientes e credíveis, tal a complexidade e opacidade do sistema burocrático-institucional que nos domina:a hubris, o excesso ou desmesura, convoca sempre a nemesis, a punição... " A ideia dominante segundo a qual os especialistas não podem ser julgados senão por outros especialistas é uma das condições para a expansão e irresponsabilidade crescente dos aparelhos hierarquico-burocráticos modernos. A ideia dominante de que existem " especialistas " em política, isto é especialistas do universal e técnicos da totalidade, concorre para tornar irrisória a própria ideia de democracia:o poder dos políticos tenta justificar-se pela "qualificação " que só eles possuem- e o povo, por definição não-especialista,fica periodicamente chamado a dar a sua opinião sobre estes " quadros ". Dada a vacuidade da noção de uma especialização total e geral, esta ideia transporta também os gérmens do divórcio crescente entre a aptidão a se constituir candidato ao poder e a aptidão a governar- a coisa mais flagrante nas sociedades modernas ", (Castoriadis,in Les carrefours du labyrinthe II). As oligarquias do capitalismo burocrático fragmentado funcionam em circuito fechado, pois, mas o " sistema " tornou-se ingovernável e sugeito às maiores contradições e ameaças por via da Mundialização. Salut! Niet