25/04/12

Re: E se em 74?...

No Blasfémias, L. Rocha argumenta que:
Sem 25 de Abril, o mundo não evoluiria de forma muito diferente. A guerra colonial teria de ter uma solução política, sob pena de o país acentuar a sua situação de pária à escala internacional. A então CEE e os gringos derrotados no Vietname, mas a não quererem perder a África Austral para a órbita soviética, constituiriam o isco e a pressão à negociação política. Uma evolução política à espanhola seria incontornável.
É sempre complicado fazer estes exercícios contra-factuais. No entanto, uma coisa é certa: a evolução espanhola não teria sido como foi. Adolfo Suaréz teve que travar intensas batalhas com a linha dura (inclusive, uma das condições que pôs para legalizar o PCE foi que este fizesse um comunicado chamando-o de "fascista" e "reaccionário", para tranquilizar os militares), e um dos poucos argumentos que tinha disponíveis para defender a reforma era o "se não abrirmos por nós, acontece-nos como em Portugal". E a transição democrática espanhola passou por momentos tão delicados (Operação Galáxia, 23-F,...) que é legitimo pensar que bastaria algo ser ligeiramente diferente (como não terem ao lado Portugal, quer como exemplo de democracia a funcionar na Península, que como exemplo do que acontece se não abrirem gradualmente) para as forças conservadoras terem ganho.

E se a transição espanhola já de si teria sido mais lenta, é de esperar que uma hipotética transição portuguesa ainda mais lenta teria sido, já que em Portugal não havia uma coisa que houve em Espanha - um rei ao lado dos reformistas (eu tenho a teoria que um rei tem mais poder para fazer reformas que um primeiro-ministro ou um presidente da república, já que as pessoas que em principio seriam contra as reformas - e que iriam conspirar contra um primeiro-ministro ou um presidente reformista - tendem exactamente a ser aquelas com maior veneração pela instituição monárquica).

Aliás, nós tivemos a experiência de uma abertura, com a CEUD, a "ala liberal", etc. e tudo isso estava em retrocesso (ou tinha praticamente terminado) em 1974, pelo que provavelmente iria demorar algum tempo ao motor reformista voltar a pegar; e, nomeadamente na hipótese do 25 de Abril ter sido dominado (em vez de nunca ter existido), o resultado teria sido exactamente o reforço dos duros do regime (talvez com a substituição de Caetano por Kaulza da Arriaga?) - afinal, se olharmos para o PREC, a regra foi sempre essa: o golpe falhado de uma facção levava sempre ao reforço da facção contrária.

Quanto ao cenário internacional, é um pau de dois bicos: a partir de 1976, com Carter na presidência dos EUA, realmente houve uma pressão para as ditaduras do bloco ocidental se democratizarem; mas a partir da eleição de Ronald Reagan, a tendência voltou a ser a de apoiar os regimes capazes de resistir ao "comunismo internacional" - nesse tempo, a embaixadora dos EUA na ONU, Jeanne Kirkpatrick, era a grande teórica da doutrina de apoiar os regimes "autoritários" contra os "totalitários" (não é muito claro porque é que, nesse esquema, a Arábia Saudita contava como "autoritária" e a Nicarágua sandinista como "totalitária", mas isso já outra discussão). Assim, se o regime não se tivesse democratizado até 1980, provavelmente só o seria na segunda metade da década, na mesma altura em que outras ditaduras pro-EUA (Filipinas, Haiti, Brasil, Coreia do Sul, Chile, etc.).


Quanto à guerra colonial ser um peso insustentável - uma maneira de ver os efeitos que isso poderia ter, era imaginar que, na ausência do 25 de Abril, o prolongamento da guerra levaria a um descontentamento crescente entre os oficiais de baixa patente, que poderia desembocar num golpe militar tendo em vista uma solução politica para a guerra colonial, e que abriria também as portas para a democratização do regime. Eu penso que era a saída mais provável, mas diz-nos pouco acerca de como teria sido Portugal sem o 25 de Abril (na prática, apenas teria sido noutra data; é um pouco como se, numa realidade paralela em que o "golpe das Caldas" tivesse triunfado, um comentador em 2012 escrevesse uma crónica sobre o tema "como teria sido Portugal se o 16 de Março tivesse sido dominado?"); portanto, vamos imaginar outras saídas possíveis.

Um primeiro ponto - convém lembrar aos entusiastas da "via espanhola" que a descolonização espanhola (feita ainda sobre Franco) andou longe de ser exemplar nos resultados: um Timor gigante ainda não resolvido e uma das mais sanguinárias ditaduras africanas (que só não emparelha com Idi Amin ou Bokassa porque foi num país de 1 milhão de habitantes).

De qualquer forma, como é que um Portugal-sem-25-de-Abril provavelmente teria tentando resolver a guerra colonial? Pelo que se tem sabido, provavelmente a ideia seria os "novos Brasis": dar a independência aos territórios sob uma espécie de coligação entre a população branca e algumas elites nativas. Provavelmente o resultado disso seria algo entre a Rodésia de Ian Smith e a futura Rodésia de Muzorewa. Deixando de lado a viabilidade ou não de um cenário desses, não há nada aí que implicasse forçosamente a democratização da "metrópole" (afinal, Espanha descolonizou continuando a ser uma ditadura; é verdade que a área e população envolvidas eram muito menores); de qualquer maneira, os novos regimes africanos provavelmente continuariam a ser não-democráticos (se assim não o fossem, o poder cairia automaticamente nas mãos da maioria negra), quase de certeza parecidos (até pelo efeito de contágio) aos "regimes brancos" vizinhos da África do Sul e da Rodésia (eventualmente mais integrados, possivelmente dando possibilidade a negros "assimilados" de participarem também no poder). Mais cedo ou mais tarde, o poder nesses países acabaria por ir parar às mãos da população negra (como aconteceu nos casos vizinhos), mas todo o processo seria adiado: sem Moçambique a apoiar os guerrilheiros, o regime de Smith teria se aguentado mais tempo; sem a batalha de Cuito Cuanavale e o apoio de Angola à SWAPO, a descolonização da Namíbia teria levado mais tempo; sem isso tudo o fim do apartheid sul-africano também teria levado mais tempo... (embora suspeite que muitos dos que dizem "era melhor se não tivesse havido o 25 de Abril" põem a sobrevivência por mais alguns anos do regime de Ian Smith, da ocupação da Namíbia e do apartheid na coluna do "+"...).

3 comentários:

bg disse...

mais um pangloss.. desta vez refráctário. a direita será sempre ressabiada enquanto herdeiros do estado novo.

Anónimo disse...

O imperialismo e o totalitarismo usufruem de recursos estratégicos descomunais para " imporem " a sua dominação. Há quem defenda a tese de que a ex-URSS manipulou a seu belo prazer o PCP no pós-25/4 para se " apoderar " de Angola. E os EUA apoiaram o apartheid na R.S. Africana até muito tarde para tirarem as " castanhas do lume " do enjeu angolano, como soe-dizer-se...Mais perto deste caosdrama actual- que fustiga a África quase na sua totalidade em todas as latitudes- a Itália açambarcou agora a primazia das concessões e prospecções sobre as reservas mirabolantes de gás que Moçambique anuncia. Como isso é possível e o que parece revelar da impotência política da Commonwealth e da República Portuguesa, hoje? Como disse Victor Serge, " as Revoluções têm prazo ! ". Saúde e audácia, meu caro! Niet

David da Bernarda disse...

Uma pergunta especulativa mais interessante sobre o 25 de Abril seria:

se em 1974 se tivessem fuzilado os PIDES, ministros e alguns capitalistas será que a classe dominante actual seria tão arrogante e cínica?