22/07/12

Expropriação representativa

À margem de um artigo de opinião citado pela Joana Lopes sobre a descredibilização dos partidos, dos representantes políticos, etc., ocorre distinguir. A descredibilização das instituições representativas é perigosa? Sim, na medida em que tenda a redundar na descridibilização da própria política e a abrir caminho a formas de governo "acima dos partidos", "acima da política", exercidas por quem saiba mandar e ponha ordem — "acima das divisões políticas" — no "trabalho" e na "rua". Mas, se é perigosa, não deixa de ser merecida e justificada perante a evidência de que os políticos, visivelmente, não governam em benefício dos governados, que supostamente representam. Assim, se não queremos que a revolta contra os políticos redunde em desvalorização da política, destruindo os direitos de controle e defesa que subsistem nos regimes representativos abusivamente dito democráticos, resta-nos generalizar a política ao conjunto dos cidadãos comuns, universalizando o seu exercício por todos e cada um, expropriando os representantes que dela expropriam os representados. Por isso, a melhor maneira de darmos credibilidade à política consiste não em reclamar melhores representantes, governantes mais sábios, ou intérpretes mais autorizados do bem comum, mas na extensão das suas responsabilidades, através da participação, da deliberação e da interpretação criadora do bem comum, a uma cidadania comum enfim emancipada.

6 comentários:

joão viegas disse...

Ola,

Bonito titulo, que diz tudo, talvez mais claramente ainda do que o post. Pensando bem, eu invertia as coisas : punha o texto em titulo e o titulo em post.

Abraço

Miguel Serras Pereira disse...

Viva, João.
Obrigado pela aprovação, e, quanto à crítica que me faz, receio que seja justificada, mas também inevitável no registo post. É verdade que pego apenas numa linha de argumentação do título. menos directa do que ele, mas, por outro lado, insuficiente… Irei explicitando talvez melhor a ideia noutros posts, quando for caso disso. E oxalá outros o façam por dua conta, num combate solidário pela universalização da cidadana responsável e plena.

Abraço

msp

joão viegas disse...

Ola,

Não era critica nenhuma. Apenas sublinhei que o que você diz no post (e muito bem a meu ver) esta completamente contido nas palavras do titulo.

Com efeito, a "representação" politica, tal como a praticamos hoje, traduz-se por uma expropriação no sentido original da palavra (anulação de capacidades proprias). De uma certa forma, trata-se de um fenomeno inevitavel. Não deveriamos conceber a politica senão como o dominio por excelência do "comum" ou seja do que, enquanto tal, se opõe ao "proprio" (embora deva sempre preservar um espaço para ele).

Mas a ideia (contemporânea) de representação politica implica muito mais. Implica estarmos a mandatar pessoas (os politicos) para tratar dos nossos interesses proprios. Eis a vulgata, que radica na ideia fantasiosa de um "contrato social", que hoje concebemos como uma forma particular do contrato de sociedade (não era bem isso em Rousseau, mas adiante).

Em suma, achamo-nos ludibriados pelos politicos porque não realizamos bem, nem queremos no fundo compreender, aquilo que lhes pedimos. A desilusão é certa, quer eles façam o que os mandatamos para fazer, quer eles não o façam.

Na hora de prestar contas, chega a ser ridicula a nossa inapetência para a responsabilidade e para a administração da coisa publica (ou alias da coisa privada). Queremos pôr os "politicos" em tribunal, ou no circo com os leões... Vale tudo, menos reflectir um bocadinho e enfrentar a evidência de termos sido nos mesmos a criar a situação, como se fosse possivel, ou se tivesse algum sentido, delegar completamente a acção politica, à maneira do pescador que "delega" os assuntos correntes à cana de pesca ao lado da qual adormece !

E depois, admiramo-nos do sucesso dos espertalões que se armam em doms Sebastiões, como se isso não fosse a consequência logica e o triste preço a pagar.

Dito de outra forma, o nosso regime politico, tão permeavel aos piores delirios de massa, com as consequências que todos sabemos, padece essencialmente de estar baseado na "expropriação representativa".

Suspeito que o post da Joana Lopes (não o li ainda) seja também acerca desse problema.

Abraço

Anónimo disse...

Nem mais nem menos. Está tudo dito.

Resta apenas dizê-lo muitas vezes.

Abraço para ambos

nelson anjos

Anónimo disse...

Um flash inolvidável de um grande livro de M. Bakounine- Estatismo e Anarquia, 1873- sobre os vícios e o flagelo do "génio " estatista do principe Bismarck,o coveiro real da Comuna de Paris e déspota europeu do séc. XVIII, um fantasma que povoa os pesadelos da chancelarina Merkel, como o The Economist e a Forbes não cessam de recordar. " Sim, Berlim tornou-se hoje a cabeça e a capital de toda a reacção viva e remexida da Europa, e o principe Bismarck nisso se destaca como o principal guia e o Chanceler. Sublinho, de toda a agitada e vital reacção, e não da reacção decrépita. Apagada ou eliminada do espírito, a reacção, principalmente católica-romana, paira ainda como uma sombra nefasta mas, agora, impotente, em Roma, Versalhes, e de certa forma em Viena e Bruxelas; a outra reacção, a knouto-petersburguesa- admitindo que seja ainda mais do que uma mera sombra, contudo perdeu já o sentido e o futuro- continua ainda as suas orgias nas fronteiras do Império de todas as Rússias. Mas a reacção viva, inteligente, representando uma força real está agora concentrada em Berlim,; e espalha-se por todos os países da Europa partindo do novo Império alemão, governado pelo génio estatista e, por isso, no supremo grau de hostilidade contra o povo,do principe de Bismarck. Esta reacção não representa outra coisa senão a realização consumada do conceito anti-popular de Estado moderno, o qual tem por objectivo a organização, à escala mais vasta, da exploração do trabalho para o lucro do capital concentrado num reduzido número de mãos; o que significa o reinado triunfante da extorsão e da alta finança sob a protecção poderosa das autoridades fiscais, administrativas e policiais, que se apoiam sobretudo sobre a força militar, despóticas na sua essência, mas que se recolhem ao mesmo tempo por detràs do jogo parlamentar de um pseuso-regime constitucional. (...) a indústria capitalista e a especulação bancária suportam perfeitamente a democracia dita representativa; porque esta estrutura moderna do Estado,fundada sobre a pseudo-soberania da pseudo-vontade do povo pretensamente exprimida pelos equivocados representantes do povo em pseudo-assembleias populares, reune as duas condições que à partida se tornam necessárias para consumar os seus propósitos, a saber, a centralização estatista e a coerção efectiva do povo soberano à minoria intelectual que o governa, que faz de conta que o representa e o explora infalivelmente ". Niet

Anónimo disse...

Descredibilização?
Eu diria antes: desacreditação...
É disso que falamos.

A.M.