10/08/12

Impossibilidade epistemológica do socialismo?

Samuel de Paiva Pires argumento que o socialismo é impossível epistologicamente:
Uma economia socialista, ao acabar com o sistema de preços, impossibilita o processo que permite tornar explícito o conhecimento prático disperso, visto que os preços incorporam um conhecimento holístico, sistémico, “desconhecido e incognoscível por qualquer um dos elementos do sistema do mercado, mas dado a todos estes através da operação do próprio mercado”. Não existe qualquer outra forma de organização da economia que consiga rivalizar com o mercado enquanto gerador de conhecimento, já que é o único mecanismo que consegue utilizar eficazmente o conhecimento prático disperso tornando-o holístico – e é este conhecimento que é destruído quando se tenta planear ou corrigir os processos de funcionamento do mercado.
A respeito da parte do "acabar com o sistema de preços", creio que apenas duas ou três facções socialistas pretendem acabar com os preços (e substitui-los por um sistema de "racionamento igualitário para o que for escasso e «tira o que quiseres» para o que não for") - à primeira, só me ocorre os anarco-comunistas (atenção - não confundir com os anarco-colectivistas e os anarco-mutualistas) e e a facção do Socialist Party of Great Britain / Movimento Socialista Mundial; quase todas as outras, mesmo que não lhes chamem "preços" ou "dinheiro", acabam na prática por preconizar (pelo menos a curto/médio prazo) um sistema com preços e dinheiro. Imagino que o argumento do SPP seja a que ter preços sem um mercado para os estabelecer continua  a ser, de certa forma, não ter um verdadeiro "sistema de preços" (note-se que há tendências socialistas que pretendem combinar a colectivização dos meios de produção com a manutenção do mercado, mas admito que entrar por aí seria muito um exercício de "splitting hairs").

Mas em contraponto, vou agora postar um texto do comunista de conselhos Helmut Wagner (ou, mais exactamente, um excerto de um texto - trata-se de passagens do O Anarquismo e a Revolução Espanhola, um texto de 1937 dedicado a criticar a politica dos anarquistas espanhóis a partir do ponto de vista conselhista; no entanto, as passagens que vou postar mal referem esse assunto):
Suponhamos que os operários das principais zonas industriais, por exemplo, da Europa, tomam o poder e esmagam, assim, praticamente, o poder militar da burguesia. A ameaça exterior mais grave para a revolução estaria assim afastada. Mas como deveriam os operários, enquanto proprietários colectivos das oficinas, recolocar a produção em marcha a fim de satisfazerem as necessidades da sociedade? Para isso, há necessidade de matérias-primas; mas donde vem elas? Uma vez o produto fabricado, para onde deve ser enviado? E quem tem dele necessidade?

Não se poderia resolver nenhum desses problemas se cada fábrica funcionasse isoladamente. As matérias-primas destinadas às fábricas vêm de todas as partes do Mundo inteiro. Como irão os operários saber onde procurar as matérias-primas? Como encontrarão os consumidores para os seus produtos? Os produtos não podem ser fabricados ao acaso. Os operários não podem entregar produtos e matérias-primas sem saberem se ambos serão utilizados de modo apropriado. Para que a vida económica não pare imediatamente, é preciso utilizar um método para organizar a circulação das mercadorias.

É aí que reside a dificuldade. No capitalismo, esta tarefa é executada pelo mercado livre e através do dinheiro. No mercado, os capitalistas, enquanto que proprietários dos produtos, enfrentam-se; é aí que são determinadas as necessidades da sociedade: o dinheiro é a medida dessas necessidades. Os preços exprimem o valor aproximado dos produtos. No comunismo, essas formas económicas, que deveriam e estão ligadas à propriedade privada, desaparecerão. A questão que se coloca é pois: como se deve fixar, determinar sob o comunismo as necessidades da sociedade? (...)

É agora claro, que as necessidades reais das massas não podem ser determinadas por alguma espécie de aparelho burocrático, mas pelos próprios operários. A primeira pergunta que esta constatação levanta é, não a de saber se os operários são capazes de realizar esta tarefa, mas quem dispõe dos produtos da sociedade. Se se permite a um aparelho burocrático determinar as necessidades das massas, criar-se-á um novo instrumento de dominação da classe operária. Eis porque é essencial que os operários se unam em cooperativas de consumidores e criem assim o organismo que exprimirá as suas necessidades. O mesmo princípio vale para as fábricas; os operários, unidos nas organizações de fábrica, estabelecem a quantidade de matérias-primas de que têm necessidade para os produtos que devem fabricar. Não existe pois senão um meio, no comunismo, para estabelecer as necessidades das massas: a organização dos produtores e dos consumidores em conselhos de fábrica e conselhos de consumidores.

Contudo, não basta aos operários saber de que têm necessidade para a sua subsistência, nem às oficinas de conhecer a quantidade necessária de matérias-primas. As fábricas trocam os seus produtos; estes devem passar por diferentes fases, por várias fábricas, antes de entrarem na esfera do consumo. Para tornar possível esse processo, é necessário, não somente estabelecer quantidades, como também geri-las. Assim chegamos à segunda parte do mecanismo que deve substituir o mercado livre; quer dizer, a "contabilidade" social geral. Esta contabilidade deve incluir a situação de cada fábrica e conselho de consumidores, para dar um quadro claro que permita ter um conhecimento completo das necessidades e possibilidades da sociedade.

Se se não pode reunir e centralizar esses dados, então toda a produção será mergulhada no caos quando for abolida a propriedade privada e, como ela, o mercado livre. Apenas a organização da produção e da distribuição pelos conselhos de produtores e consumidores, e o estabelecimento de uma contabilidade centralizada permitirão abolir o mercado livre. (...)

O comunismo regula a produção segundo as necessidades das grandes massas. O problema do consumo individual e da repartição das matérias-primas e dos produtos semi-acabados entre as diversas empresas não pode ser resolvido graças ao dinheiro, como no sistema capitalista. O dinheiro é a expressão de certas relações de propriedade privada. O dinheiro assegura ao seu possuidor uma certa parte do produto social. Isto é tão válido para os indivíduos como para as empresas. Não existe propriedade privada dos meios de produção no comunismo; contudo cada indivíduo terá direito a uma certa parte da riqueza social para seu consumo, e cada fábrica deverá poder dispor das matérias primas e meios de produção necessários. Como deve isso ser feito? (...) Nós vemos aí um problema muito importante para a revolução proletária. Se os operários simplesmente se fiassem num "serviço estatístico" para determinarem a sua parte, criariam assim um poder que já não poderiam controlar.

Abordamos aqui a seguinte questão: como será possível unir ou acordar esses dois princípios que parecem à primeira vista contraditórios, a saber: todo o poder aos operários, o que implica um federalismo (concentrado) e a planificação da economia, que conduz a uma extrema centralização? Apenas poderemos resolver esse paradoxo se considerarmos os fundamentos reais da produção social na sua totalidade. Os trabalhadores apenas dão à sociedade a sua força de trabalho. Numa sociedade sem exploração, como a comunista, o único padrão para determinar o consumo individual será a força de trabalho fornecida por cada um à sociedade.

No processo de produção, as matérias primas estão convertidas em bens de consumo pela força de trabalho que se lhe acrescenta.

Um serviço estatístico seria completamente incapaz de determinar a quantidade de trabalho incorporada num dado produto. O produto passou por múltiplos estádios, isto é, um número imenso de máquinas, ferramentas, matérias-primas, e produtos semi-acabados serviram para sua fabricação. Se é possível a um serviço estatístico central reunir todos os dados necessários num quadro claro, compreendendo todos os níveis do processo de produção, as empresas ou as fábricas estão melhor colocadas para determinar a quantidade de trabalho cristalizado nos produtos acabados, calculando os tempos de trabalho incluídos nas matérias primas e o necessário à produção de novos produtos. A partir do momento em que todas as empresas estão ligadas entre si no processo produtivo, é fácil a uma delas determinar a quantidade total de tempo de trabalho necessário para um produto acabado, baseando-se nos dados disponíveis. Melhor ainda, é mais fácil calcular o tempo de trabalho social médio dividindo a quantidade de tempo de trabalho empregue pela quantidade de produtos. Esta média representa o factor final determinante para o consumidor. Para ter direito a um objecto de uso corrente, ele deverá simplesmente provar que deu à sociedade, sob uma forma diferente, a quantidade de tempo de trabalho cristalizado no objecto que deseja. Assim se encontra suprimida a exploração. Cada um recebe o que deu, cada um dá o que recebeu: isto é a mesma quantidade de tempo de trabalho social médio. Na sociedade comunista não há lugar para um serviço central de estatística, tendo o poder de estabelecer "a parte" atribuível às diferentes categorias de assalariados.

O consumo de cada trabalhador não é determinado "de cima"; cada um determina, pelo seu trabalho, quanto pode pedir à sociedade. Não há outra escolha na sociedade comunista, pelo menos durante o primeiro estádio. Os serviços estatísticos apenas podem servir para fins administrativos. Esses serviços podem, por exemplo, calcular os valores sociais médios de acordo com os dados obtidos nas fábricas; mas eles são empresas como as outras. Não detêm privilégios. É absurdo imaginar que uma sociedade comunista poderia tolerar um serviço central dotado de poder executivo; com efeito, em tais condições, apenas pode existir a exploração, opressão e capitalismo.
E onde é que eu quer chegar com esta citação? É que já temos aqui um exemplo de um sistema não-capitalista e não-mercantil que me parece mais ou menos capaz de unificar o "conhecimento prático disperso" - p.ex., quando as comissões de trabalhadores da pesca estimam o custo médio de produção de 1 kg de sardinhas (usando o seu conhecimento técnico sobre a sua indústria e mais a informação fornecida pelas comissões de trabalhadores dos estaleiros, dos combustíveis, etc., sobre o custo dos consumos intermédios) estão também a pegar em conhecimentos tácitos descentralizados e a traduzi-los num valor conhecível por toda a sociedade. E note-se que o sistema proposto aqui por Helmut Wagner é, com mais ou menos cambiantes, mais ou menos idêntico aos sistemas propostos por quase todos os críticos "pela esquerda" do comunismo soviético (todos eles andam à volta da "substituição do aparelho burocrático do Estado pela planificação democrática da economia pelos Conselhos Operários", mais coisa, menos coisa).

[Uma nota final - há uns anos, no contexto de uma discussão nos comentários d'O Insurgente, o BrainstormZ perguntou-me « como conseguem os “Conselhos Operários” fazer o cálculo económico dada a “propriedade estatal dos meios de produção”»; eu há muito que penso em fazer uma série de posts sobre o assunto - com a ressalva que as minhas simpatias, actualmente, vão mais para o lado dos anarquistas do que para o dos comunistas de conselhos, trotskystas e similares, logo seria em parte desenvolver argumentos que não são exactamente os meus; eu duvido que alguma vez ganhe energia para escrever essa série de posts, mas se alguma vez essa série vir a luz do dia, será uma espécie de versão revista e aumentada deste]

14 comentários:

Miguel Serras Pereira disse...

Extremamente interessante, camarada Miguel (M). Mas pergunto-me se não será mais verosímil deixarmos subsistir o mercado como expressão das preferências, desmercantilizando (a força d)o trabalho, através da igualização de rendimentos segundo o princípio (com as modulações necessárias) um voto por cabeça, e regular este mercado democratizado através de um plano democrático (adoptado pelos conselhos ou assembleias de cidadãos) sobre a repartição do consumo e do (re)investimento.

Abraço

miguel(sp)

CN disse...

Esse debate passou-se com Mises o os economistas socialista da altura quando mises escreveu o ensaio sobre a impossibilidade do socialismo.

Sim, o que o Miguel Serras Pereira propõe é possível e já se passa. Onde existe vida tribal. E não vejo algum nisso.

Não existe é qualquer hipótese de as pessoas de forma universal rejeitarem o sistema de cooperação pelas trocas voluntárias a que chamam abstractamente mercado. as pessoas gostam de fazer trocas, produzindo aquilo que gostam e têm jeito por outras coisas que as pessoas gostam e têm jeito.

Quando trocam definem rácios de troca e isso são os preços.

O outro problema é que a produção de instrumentos (capital) precisa de poupança (abdicação de produção e consumo de bens imediatos).

É preciso determinar essa repartição.

E depois a outra claro,é que cada ser é um fim em si mesmo, pelos menos os anarquistas reconhecem isso, as tentativas de coletctivização as relações humanas, por mais boas intenções que tenham, não.

Está sempre a tentar que os humanos de comportem como um formigueiro em velocidade automática, existam as formigas soldado, as trabalhadoras, etc e agrande mãe-formiga.

Não estou a ser irónico.

Mas se gostam do exercício me abstracto, se quem aceitar que as horas de trabalho valeriam o mesmo para qualquer pessoa, quem sabe um sistema baseado em horas produzidas. Tinha que ser num ambiente de ficção científica, mas é imaginar que cada hora seria registada algures,ea pessoa acumularia horas a trocar por outras horas.

Claro que mais uma vez isso daria para trocas simples, para a complexidade envolvida na fabricação de capital (instrumentos, máquinas)...

Anónimo disse...

De vez em quando vem esta questao a baila, que na pratica nao tem nada de impossibilidade do socialismo. Podem argumentar que o mercado livre permite mais informacao o que conduz a mais eficiencia, mas o objectivo do socialismo, pelo menos para mim, nao è o de proporcionar um crescimento economico mais vigoroso; serviria sim para acabar com a dominacao de classe, proteger o ambiente, desenvolver-nos intelectualmente e nao na abundancia de mercadorias que hoje sao consumidas mas que talvez num sistema planificado deixassem de ser necessidades prementes, ja que o a nossa tristeza na era do capitalismo se afoga no consumo. A pobreza material mas superioridade intelectual da classe trabalhadora pobre como è a de Cuba em relacao a classe trabalhadora de todos os vizinhos capitalistas, tem de nos fazer pensar se a eficiencia do sistema de precos tem de ser um fim em si mesmo.

CN disse...

Quanto a esta citação

"Os preços exprimem o valor aproximado dos produtos."

É totalmente errado. is austríacos provaram o subjectivismo.

Os preços não exprimem valor. A valorização é um acto subjectivo.

Duas pessoas valorizam o mesmo objecto de forma diferente e ao contrário do que Marx e Adam Smith, essa avaliação subjectiva não tem nada que ver com quanto trabalho está incorporado até porque as pessoas nem o sabem, nem têm de saber.

A razão porque 2 pessoas trocam 2 quantidades de objectos num determinado rácio de quantidade de um por outro é porque uma valoriza X mais que Y e a outra o contrário.

A troca dá-se porque as pessoas desacordam no valor.

O outro ponto importante é que os economistas formais e matemáticos foram obrigado a reconhecer que as pessoas não conseguem atribuir valores relativos ás coisas, apenas ordenam preferências. E ainda bem que é assim senão eramos robots.

Assim: as pessoas conseguem dizer prefiro A a B, e prefiro B a C.

Não tem sentido dizer: A vale 2.3 X B e B vale para mim 4.15 X C.

A, B, C e pode ser:

vou andar de bicicleta
vou comprar x pães
vou trabalhar x horas

A acção humana compara coisas. As trocas definem rácio (preços) mas nada que ver com medidas absolutas de valor.

De resto, como resolver o problema da arte.

Um objecto (pintura) pode demorar 30 minutos a ser feito e outro 4 meses, no entanto as pessoas valorizam o primeiro muito mais que o segundo.

Se agora estendermos o conceito, tudo na vida tem a sua arte.

CN disse...

Anónimo disse...


"Podem argumentar que o mercado livre permite mais informacao o que conduz a mais eficiencia,"

Tem toda a razão, a "eficiência", um mal que grassa e fez muito mal ao liberalismo vindo dos que gostam de usar matemática (coisa completamente errada e impossível para determinar leis económicas universais) não é um fim em si mesmo.

O fim é as pessoas serem donas do seu destino, terem os seus fins, reguladas por uma ética mínima comum de não agressão.

E para não existir agressão...

O problema dos modelos democráticos 8votação, etc) é que a pessoa tem o direito a decidir se quer participar de um dado de processo de decisão ou não. Quem aceita, aceita que se perder, a cumpre de qualquer forma porque vê algo como positivo.

Quem à partida não quer participar desse processo de decisão não pode ser obrigado a cumprir um processo decidido por outros. É o direito de Secessão.

Isto para dizer que o eficientismo é um mal quer grassa sim, mas até o socialismo científico tem esse mal.

João Vasco disse...

Para mim a ideia exposta parece horrível.

Em primeiro lugar há trabalhos cujo tempo é completamente impossível de contabilizar.
O trabalho criativo, principalmente, funciona de forma tão irregular, que contabilizá-lo da forma proposta só podia dar asneira.
Depois, não há incentivo para fazer estimativas correctas.

Por outro lado, na lógica de "eu recebo bens em trabalho consoante o trabalho que produzo" não existe qualquer incentivo para fazer o trabalho de forma mais eficaz ou menos ineficaz. Se eu demoro 10h a fazer uma escultura e estimo 10h por escultura ganho o mesmo do que se eu demoro 20h a fazer a mesma escultura, e estimo 20h por escultura.

E certamente não existem incentivos para que a tecnologia traga mais prosperidade. Se as pessoas são pagas tempo de trabalho que despendem, ninguém tem motivação para desenvolver tecnologia que lhes permita produzir o mesmo em menos tempo.

Por outro lado, esse sistema levaria a sérios desequilíbrios pois o esforço é avaliado em termos de "tempo" quando nós sabemos que para o mesmo "tempo" o esforço pode ser muito diferente. Ser argumentista, ou pintor ou estar num escritório a preencher papeis é diferente de ser empregado de balcão, nadador salvador, e certamente muito diferente de trabalhar nas obras ou ser homem do lixo.
Assim, os trabalhos que exigem mais tempo mas menos esforço seriam mais procurados, e não existiria qualquer mecanismo que pudesse fazer uma compensação para incentivar as pessoas a irem aos trabalhos que exigem menos tempo mas mais esforço.

Creio que existem ainda mais problemas além destes, mas estes são os mais óbvios.

Miguel Madeira disse...

João Vasco - note que a ideia era estimar o custo de produção dos bens de acordo com o tempo médio que se demoraria a produzi-los.

De qualquer forma, eu foi buscar esse texto do Helmut Wagner não tanto a pensar na parte do "tempo" (se em vez de avaliar os custos em tempo, ser avaliado por diferentes custos para cada profissão, ou coisa assim, a ideia básica do mecanismo seria mais ou menos a mesma), mas sobretudo na ideia de os trabalhadores (ou as suas comissões de delegados) de cada ramo avaliarem os custos de produção de bens produzidos por esse ramo (independentemtne de esses custos serem medidos em "horas" ou nalguma unidade monetária) usando o seu conhecimento técnico do ramo e a informação publicamente disponível sobre o custo de produção das ferramentas e matérias primas que esse ramo utiliza.

CN disse...

Rothard dizia que o (seu) lirbetarianism/amarchism não é utópico porque só precisa que as pessoas o queiram enquanto o comunismo é utópico porque mesmo que todas as pessoas acordem voluntariamente nele não funcionaria.

A "impossibilidade de socialismo" de Mises resumindo pretende dizer isto:

- para existir planeamento têm de se atribuir preços as coisas (para saber como as combinar em que proporção)

- Mas quanto mais se planeia menos os preços são "preços"

- os preços precisam resultar de trocas voluntarias entre pessoas com direitos exclusivos no que trocam (incluindo, direito exclusivo a fazer o que quer com a sua força de trabalho)

E só existem preços neste sentido com direito de propriedade e assim acabamos sempre na propriedade.

Isto numa escala de uma sociedade minimamente complexa.

João Vasco disse...

Miguel Madeira,

Isso responde às objecções que apontei, mas vai de encontro a outro problema...

Chamemos a essa "unidade de custo" dinheiro - isto é só um nome, não muda nada de significativo face ao sistema proposto.

No curto prazo a diferença entre essa situação e a economia de mercado é evidente: existe um enquadramento legal e social de acordo com o qual as empresas tentam estimar os custos reais, e não maximizar os lucros.

Mas quais o incentivos para manter esse enquadramento? Se as pessoas ganharem mais "dinheiro", podem comprar mais coisas. Assim, a empresa quando estima os custos está perante os mesmos incentivos e desincentivos que uma empresa que opere no mercado - se os custos estimados por produto forem excessivos ganha menos dinheiro, se os custos estimados forem insuficientes ganha menos dinheiro. E o mesmo para as contratações de mão de obra: se estimarem um custo daquele trabalho muito baixo, podem ter falta de quem se ofereça para o fazer; se estimarem um custo alto, sobra menos para os restantes trabalhadores.
Não é que seja ilegal fazer estimativas erradas, imagino. Se fosse, seria uma lei quase impossível de aplicar.

Imaginemos, por exemplo a situação de um massagista. O custo da massagem em tempo é algo objectivo, mas em esforço é "quase" arbitrário. Para uma pessoa o seu tempo pode ser muito valioso, para outra é menos. Como negar que um massagista faça a sua estimativa do custo em dinheiro por hora livremente?
E se o fizer, a que incentivos está sujeito? Fundamentalmente os do mercado: se cobra de mais as pessoas não querem os seus serviços, se cobra de menos (face à procura) tem acesso a menos bens. Numa primeira fase pode pensar que até tem prazer no trabalho, e a estimativa baixa dos seus serviços é justa; mas para muitos a situação não se mantém assim, cedo percebem que têm a ganhar em pedir tanto quanto podem.

No fim, isso é igual a "economia de mercado" mas sem propriedade privada dos "grandes" meios de produção. Parece menos original do que o que é exposto no texto, e tem o problema de saber onde está a fronteira entre "grandes" meios de produção de forma a que essa distinção artificial não seja aproveitada, mas não parece de todo tão mau como usar o "tempo" em vez do "dinheiro" para as transacções.

Miguel Madeira disse...

Eu (na tal série de posts que provavelmente nunca irá ver a luz do dia) ia expor a tese que um sistema desses iria ser muito parecido a uma espécie de monopólio bilateral. Na prática, o que iria acontecer era que o "Conselho de Trabalhadores" de cada ramo económico iria determinar os preços (ou os "custos"), e , com base nesses preços, o "Conselho Supremo dos Trabalhadores" (com delegados dos vários ramos e das organizações de consumidores) iria determinar as quantidades a serem produzidas (ou mesmo decidir fechar algumas "unidades de produção").

O que eu suspeito é que nas reuniões do CST (ou lá como se chamasse) iria haver muita negociação de bastidores (ou mesmo abertamente) do género "se arranjarem maneira de baixarem os vosso custo unitário de X para Y, pode ser que seja aprovada uma maior quota de produção para vocês" ou "se for decidido que se vai produzir mais do nosso produto, talvez seja possivel - economias de escala e isso - baixar o custo de X para Y".

João Vasco disse...

Claro.
Eu estava a assumir que a cada fábrica/produtor fazia sempre um produto algo diferenciado dos restantes ("as minhas massagens não são como as dos outros", "o carro da nossa fábrica não é qualquer carro"), e portanto as suas próprias estimativas, mas não é nada disso que o texto diz.

Assim, as consequências previsíveis são precisamente essas: monopoloio e monopsonio em confronto. O que me parece pior..

Miguel Madeira disse...

Bem, mesmo que cada "unidade de produção" fizesse um produto distinto com um preços especifico estimado por ela, continuaria a ser uma especie de monopolio bilateral, já que do lado do produtor haveria uma espécie de concorrência monopolistica.


Diga-se que de qualquer forma, o texto não é muito especifico acerca de qual deve ser o nivel da "unidade de determinação de custos" (todos os barbeiros de Portimão? Cada barbearia?), deduzindo-se que isso é para ser decidido caso a caso nas reuniões do Conselho de Trabalhadores de nivel superior.

Anónimo disse...

http://www.mondialisme.org/IMG/pdf/Is-Capitalism-a-Market-Society_Wildcat_Zirkular_no-24_1996.pdf

andré disse...

fiquei, para já, com uma dúvida: uma vez que toda a troca - consumo, o que queiram - se baseia no número de horas de trabalho - ou de uma estimativa, etc, etc - o que fazer a todos aqueles que não se inserem nesta lógica de produção?

ou, por outro lado, a alguém cujas suas condições físicas impede o trabalho de x horas? resposta: receberá tendo em conta o nº de horas médio de dada indústria. mas interessará a uma fábrica e a todos os outros trabalhadores ter um trabalhador que come horas sem as produzir?

e mesmo que interesse, a partir do momento em que se iniciam estes ajustamentos, toda a avaliação passa a ser subjectivada - como sempre foi e será - colocando em causa o funcionamento automático das formas de medição.

e, no final, toda a teoria não deixa de obedecer a índices de produtividade - como já foi aqui dito - nem todos os trabalhos são iguais e a produção, por si só, não é um bem.

em todo o caso, agradeço o texto, demonstra, como o miguel disse, que há alternativas. por vezes chega. embora, sendo um exercício interessante, eu pense que está fora de duas daquelas que poderão e têm sido constituintes de uma visão do mundo de hoje para o de amanhã e que todos conhecemos há já bastante tempo, sintetizando: por um lado, considerar, na construção de um sistema, tudo o que poderá estar fora dele, ou seja, torná-lo inclusivo - democrático,diria eu, mas posso estar a abusar, o outro senhor chamou-o holístico; por outro, pensar para lá da lógica do produto como progresso - diria, da lógica da adição ou da multiplicação, mas não estou certo.