16/12/12

Pelo debate

Começo por agradecer o convite manifestado pelos companheiros do "Vias de Facto" para escrever neste espaço. Destas lides, e de outras, uma palavra especial ao Miguel, ao Zé Neves e ao Pedro Viana pela constante partilha e troca de impressões. Neste momento tão conturbado da nossa vida colectiva só a racionalidade e a capacidade crítica nos podem valer de alguma coisa. Quando falo aqui em racionalidade não me refiro nem ao pensamento puro e desfasado da realidade, nem ao facto de que existem outras dimensões na vida. O que me parece relevante é a possibilidade de se perspectivar a actividade política e de intervenção na sociedade a partir de um exercício de reflexão crítica. Como escrevi muito recentemente noutro espaço: «Nunca se trata de ter ou não ter razão. Trata-se de ser ou não ser racional». Acrescento agora, se nem a racionalidade nos pode valer completamente contra as forças políticas e as classes dominantes que nos impõem cada vez maiores dificuldades, então sem um mínimo de racionalidade temo que qualquer iniciativa genuinamente nascida de uma intenção emancipatória pode mesmo degenerar no seu oposto.

Creio que a lógica binária e dicotómica não é suficiente para dar conta dos problemas que as classes dominadas se vêem hoje confrontadas. Não tenho dúvidas de que existe um antagonismo entre o capital e o trabalho. Para mim, isso é pacífico. Todavia, separar águas entre funções socioeconómicas antagónicas implica passar desse campo económico para o espaço da política. E aí esta dicotomia complexifica-se. E, para ser sucinto, ela complexifica-se porque, por exemplo, as intenções emancipatórias provindas do campo do trabalho e das organizações que se proclamam suas defensoras podem resultar numa nova reordenação da dicotomia trabalho-capital. Ou seja, não basta confrontar as classes dominantes que num momento controlam os processos de tomada de decisão e os processos de controlo do processo de trabalho. Processos revolucionários e emancipatórios do passado foram derrotados pela acção dos dominantes mas também pela acção de organizações políticas progressistas e que, fruto de vários factores, colocaram os seus dirigentes nos postos de comando da nova sociedade. E, por inerência, reproduziram os mesmos princípios sociais.
Perante este cenário não basta criticar e lutar contra as políticas abjectas da actual classe dominante. A formação de novas hierarquias inamovíveis a partir de intenções emancipatórias contribuíram igualmente para a reprodução expandida do capitalismo.

Haja reflexão franca, colectiva e democrática para não voltarmos a lançar-nos no abismo.

1 comentários:

Xavier disse...

Olá,

Felicidade intensa em poder desfrutar aqui agora das intervenções e debates propostos pelo João Valente Aguiar.

Deixo, nesse sentido, algumas palavras de Bertold Brecht - que expressam, muito bem, as intenções de todos os colaboradores do Vias de Facto:

Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo:
raiva e tenacidade. ciência e indignação.
a iniciativa rápida, a reflexão longa,
a paciência fria e a infinita perseverança,
a compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto,
apenas as lições da realidade podem nos ensinar como transformar a realidade.