09/08/13

Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013)

Durante um breve período — os meus curtos anos de jornalismo, imediatamente anteriores e imediatamente posteriores ao 25 de Abril de 1974 — convivemos de perto. Depois, fomo-nos cruzando mais raramente, e, nas últimas décadas, perdemo-nos de vista. Claro que estávamos de acordo para afirmar que "Estaline destruiu completamente tudo o que era verdadeiramente socialista", que o socialismo sem democracia não o era por muito que continuasse a usar esse nome, e muitas outras banalidades mais ou menos de base, sobre as quais não vale a pena insistir. É claro também que tirávamos dos pontos elementares de acordo conclusões antagónicas — mas que nunca nos impediram de procurar discutir, dando conta e razão do que pensávamos. Hoje, sinto cada vez mais a falta de gente capaz de se desentender de maneira parecida. O mal-estar na civilização que apesar de tudo nos formara, a iniquidade que a acompanhava, as suas promessas incumpridas utilizadas como alibis da dominação — tudo isso, enfim, era bem real, e talvez eu me desse mais do que ele conta disso, ou fosse, mais do que ele, céptico. Mas a falta de civilização, a recaída acelerada na barbárie dos tempos que correm, são uma regressão maior do que qualquer de nós imaginava como possível nos anos que se seguiram à ressaca do movimento de democratização revolucionária de 1974-1975, e também nisso continuaríamos a concordar agora, ainda que nos opuséssemos sobre as vias a tomar, os caminhos a tentar, como alternativa.

Não vou aqui falar da importância literária de Urbano como ficcionista nem do seu ensaísmo crítico actualíssimo (manchado apenas pelos efeitos da generosidade excessiva com que, à semelhança do seu amigo David Mourão-Ferreira e movido por uma afectividade afim, valorizou várias ou demasiadas coisas demasiado menores). Bastar-me-á dizer que creio ser na sua poética que os interessados deverão dar-se ao trabalho — que vale hoje a pena, mais do que nunca — de procurar o que de mais inspirador, e também ou sobretudo em matéria política, permanecerá do seu percurso singular.

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