15/09/13

Um post de João Viegas: Reflexões em forma de homenagem na morte de Tiennot Grumbach (1939-2013)


A 17 de Agosto de 2013 morreu o grande advogado Tiennot Grumbach, antigo presidente do Sindicato dos Advogados de França, antigo Bastonário de Versalhes, defensor incansável de trabalhadores e sindicalistas, que se tornara num dos causídicos mais respeitados e temidos em França, nomeadamente por parte dos grandes gabinetes de advogacia de negócios especializados na defesa das entidades patronais.

Tiennot foi um esquerdista militante (muito activo em Maio de 68) antes de enveredar pela toga, o que sempre assumiu claramente como a continuação da luta pelos seus ideais de justiça social, combatendo sempre em prol dos direitos do trabalho contra os abusos do capital. Fê-lo com garra, com discernimento, com imaginação, e com uma exigência e um sentido de abnegação que poucos conseguiam acompanhar até ao fim. Embora não tivesse estudado direito na universidade (era economista de formação), soube transformar-se numa referência em direito do trabalho. Com engenho, soube descobrir e aproveitar recursos menos evidentes das regras de processo de trabalho, revelando-se um mestre na arte de encontrar formas de dar plena aplicação a regras protectoras que, muitas vezes, mercê da desigualdade de meios, ficavam letra morta sem beneficiarem aos trabalhadores. Por isso tornou-se também uma personalidade altamente respeitada nos meios académicos.

Mas o engenho, a imaginação, o rigor teórico, nutriam-se acima de tudo da sinceridade do seu engagement e da compreensão de que o ministério do jurista não se esgota na técnica. Antes pelo contrário, apenas atinge a plenitude do seu sentido (e do seu valor) quando serve objectivamente uma ideia firme e coerente de Justiça Social. Tiennot tinha uma maravilhosa imagem para definir os momentos privilegiados em que, numa sala de audiência, a voz do advogado deixa de recitar de forma monótona um discurso esperado por todos e, subitamente, eleva-se propondo uma visão nova, soando “como cristal”.

Tiennot formou gerações de juristas de esquerda que, hoje em dia, lutam todos os dias nos Conseils de Prud’hommes para restabelecer um bocadinho de equilíbrio nas relações entre o capital e o trabalho. Fazem-no numa época em que a ideologia capitalista triumfante polui a esmagadora maioria dos cérebros, porque aprenderam com ele que nunca se deve baixar os braços e que, nos períodos de retrocesso social, “il faut savoir écouter pousser le blé”.

Tiennot era sobrinho de Pierre Mendès-France e prestou juramento na toga do tio, por quem tinha uma imensa admiração – que consta ter sido correspondida por um enorme carinho (talvez uma das razões que fizeram com que Mendès-France se mostrasse tão atento aos jovens do Maio de 68).

A todos nós, Tiennot soube mostrar que o direito não deve ser considerado como um logro armado pelos dominantes, mas antes como um formidável instrumento de conquista da igualdade efectiva. Para isso, em vez de nos envergonharmos de sermos clérigos, temos pelo contrário que procurar sê-lo até ao fim, numa luta incansável pela efectividade da regra jurídica. Desconfiar do direito – que nasce da igualdade – é um erro teórico e um erro prático. É falso que, hoje ou ontem, os privilegiados se acomodem perfeitamente com o direito como ele é. Os privilegiados acomodam-se antes com o facto de o direito não passar do papel, o que é muito diferente.



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