22/05/14

Um Esclarecimento do João Bernardo: "Ninguém é obrigado a ler o João Bernardo. Mas também ninguém é obrigado a criticar-me. O que não se deve é criticar-me sem me ler nem conhecer a minha actividade militante…"


Na sequência da publicação pelo Pedro Viana do post "O Movimento Zapatista", o João Valente Aguiar e eu recebemos do João Bernardo uma mensagem pessoal, que lhe pedimos autorização para divulgar e a seguir transcrevemos. Com efeito, parece-nos indispensável fazê-lo a fim de corrigir certas distorções factuais graves e de esclarecer alguns pontos prévios, sem o que  continuar a discussão não faz sentido (JVA e MSP).




Caros Miguel e João, valerá a pena escrever isto?

Ninguém é obrigado a ler o João Bernardo. Mas também ninguém é obrigado a criticar-me. O que não se deve é criticar-me sem me ler nem conhecer a minha actividade militante. Senão diz-se o contrário da verdade, e a quem isso interessa? Para quê caluniar-me? E logo em Portugal, um país que não existe.
Colaboro no site Passa Palavra onde foi publicado o Manifesto aqui em discussão. Entre os numerosos artigos que dedicámos ao neozapatismo e a Chiapas, destaco dois. Um de Alex Hilsenbeck, um profundo conhecedor do tema, «Zapatismo: Entre a guerra de palavras e a guerra pela palavra» e outro de Leo Vinicius, «O neozapatismo e os velhos meios de produção», de grande relevância para as questões que aqui foram levantadas.

Quanto ao João Bernardo, desde que me afastei do leninismo, em 1972-1973, tenho procurado conceptualizar as condições de uma luta autogerida, um esforço teórico cujo primeiro fruto foi o livro Para uma Teoria do Modo de Produção Comunista, editado em Portugal em 1975 e em Espanha dois anos depois. As minhas posições quanto ao marxismo situam-se nos antípodas do que foi repetidamente afirmado por Pedro Viana, como deixei claro desde 1977 com os três volumes do Marx Crítico de Marx. Nesses anos a minha militância em prol da autonomia e do anti-autoritarismo deixou traços no jornal Combate, que se encontra agora na internet. Como o Miguel conhece tão bem como eu a experiência do Combate, passo adiante.

No Brasil escrevi centenas e centenas de páginas criticando o que denomino marxismo das forças produtivas, a tal ponto que neste país a oposição que estabeleço entre marxismo das relações sociais e marxismo das forças produtivas tornou-se de uso corrente em vários meios. O meu livro Economia dos Conflitos Sociais, onde expus detalhadamente um modelo integrado que cobre tanto as operações económicas do capital como a economia dos processos revolucionários, depois de duas edições em papel está agora na internet à disposição de quem o quiser ler. Mas se não tiverem paciência para isso, há um curtíssimo texto intitulado «A autogestão da sociedade prepara-se na autogestão das lutas», escrito a pedido de uma escola autogerida, entretanto encerrada, e que tem servido para numerosos cursos de formação militante, no Brasil e ainda em África. Encontra-se facilmente na internet em vários lugares.

Não seria necessário tanto trabalho, bastaria ler a 3ª parte do Manifesto que suscitou todo este arrazoado  , precisamente a parte dedicada às questões de organização. Mas nem sequer isso foi feito.
Na vida militante habituamo-nos às calúnias e às màs-vontades, faz parte, ninguém se incomoda. Mas ser acusado de pensar exactamente o contrário do que penso e de agir de maneira exactamente contrária àquela que prossigo, isto não me sucedia desde os tempos do CMLP do Heduíno, em 1968-1969. É lastimável  que eu tenha agora de proceder como se não tivesse escrito nada e como se nunca tivesse militado pela autonomia e contra o autoritarismo. E com que utilidade? Os leitores estarão interessados em ler ou apenas em zurzir no que não conhecem?

Abraços do

João Bernardo



7 comentários:

Libertário disse...

Embora não me sinta obriga a ler ou a criticar o João Bernardo penso continuar a fazer as duas coisas. E leio João Bernardo desde o «Para um Modo de Produção Comunista» e «O Inimigo Oculto»...
Muito sinceramente fico até espantado com a sua falta de receptividade às críticas. Sou dos que reconhecem o valor e interesse de muitas das suas obras ao mesmo tempo que fico espantado com as análises patéticas e caricatas (basta ler o que escreveu no Passa Palavra Contra a Ecologia) que faz em temas como a ecologia ou no que toca aos seus conceitos em defesa do «desenvolvimento» e da «sociedade urbano-industrial» e que tem sido discutido nestes dias no Vias de Facto a propósito do «socialismo da abundância».
Escrever coisas do tipo: «Na clássica dicotomia socialismo ou barbárie, o socialismo não se confronta só com a barbárie do capitalismo. Confronta-se igualmente com a ameaça de barbárie proveniente daquela esquerda ecologista que, pretendendo ultrapassar o capitalismo ou fundar microcosmos paralelos, se propõe restaurar formas sociais e níveis de produtividade pré-capitalistas.» não representa uma análise séria e objectiva do que pensam os defensores da ecologia e, muito menos, da ecologia social de raiz libertária.

Anónimo disse...

Não é obrigatório ler o João Bernardo (JB), mas pode-se lê-lo; não é obrigatório criticá-lo, mas pode-se criticá-lo; tampouco é obrigatório lê-lo para criticá-lo, embora seja desejável. Este capitalismo da abundância ainda nos permite estas veleidades.
Pertenço ao grupo, eventualmente pequeno, dos que o lêem vai para quarenta anos, ainda que sem a frequência com que ele tem publicado, dado que é escritor prolixo, e, por vezes, o tenha ido lendo muito espaçadamente, passados anos, quer porque sem notícia de que escrevera, quer porque a obra não me despertara a curiosidade suficiente ou, pela extensão, me dissuadira da empreitada.
Não posso dizer que a sua já longa faceta de militante comunista (na variante conselhista ou auto-gestionário) me desperte simpatia, nem que a de ideólogo me suscite concordância, ao contrário do que acontece com a de historiador do fascismo. Penso mesmo que esta seria onde deveria ter aplicado as suas grandes capacidades de observação e de escrita, pois através dela legaria algo de muito útil à sociedade.
Não me pronuncio acerca da sua militância política, que aliás é coerente com a ideologia que professa e que procura alicerçar teoricamente. Descortino, porém, uma contradição de base entre a sua postura de historiador, procurando usar instrumentos da ciência para chegar a conclusões plausíveis, e a de ideólogo, menosprezando a ciência e substituindo-a pela imaginação, descurando a realidade e apegando-se à utopia (ou, até, à profecia).
Ainda que os ideólogos não aspirem a ser cientistas, salvo raras excepções de perniciosos efeitos, como foi o caso do Marx, ao contrário do que acontece com alguns historiadores, entre eles JB, isso não invalida a postura discrepante do JB ideólogo e do JB historiador. A mim, que lhe ouvi dizer, vai para vinte anos, que o comunismo é uma questão de fé, essa discrepância não me surpreende, mas receio que possa ser nefasta para a sua credibilidade como historiador.
Posto isto, ouso criticar umas quantas ideias que JB vem expressando de longa data, algumas repetidas neste último manifesto que levantou polémica. Deixo para o fim a ideia profética do comunismo como necessário sucessor do capitalismo, que nada na história ou na realidade empírica permite validar ou, sequer, conjecturar a possibilidade, e começo pelo conceito mais-valia (absoluta e relativa), que foi buscar ao Marx e que usa sem qualquer espírito crítico (ao contrário do que sucedeu com outras ideias do Marx, que criticou e rejeitou).
É surpreendente que uma pessoa da sua envergadura intelectual use o conceito de mais-valia, resultante duma dificuldade do Marx para demonstrar a apropriação de valor pelo capitalista na troca desigual com o trabalhador assalariado, que por isso não passou duma sua afirmação (a força de trabalho produz ainda uma mais-valia, disse o Marx sem justificar, e assim foi tomada por facto), sem se aperceber que está repetindo uma impossibilidade física, já que nada, nem a virtuosa força de trabalho, pode fornecer mais do que contém, seja do que for que contenha (valor ou outra coisa qualquer).
(continua)

Anónimo disse...

Este simples facto revela que o JB, tal como o Marx, não ultrapassou a teoria do valor das mercadorias do Ricardo, aceitando o conceito pelo nome, sem o definir, apenas identificando o padrão que o mediria, o tempo de trabalho. Ora, o tempo de trabalho é um valor, de facto, mas valor ou quantidade de energia, consumida, antes de mais, para produzir o próprio trabalho humano com utilidades concretas muito diversificadas e, depois, através dele, para produzir as restantes mercadorias.
O famoso valor das mercadorias ricardiano, portanto, não é mais do que a quantidade de energia humana que custa produzir as mercadorias. Custo de produção é, pois, a grandeza que está em causa, e ela é medida pelo valor ou quantidade da energia consumida. Daqui decorre que o Marx errou ao identificar como grandezas relevantes das mercadorias apenas a utilidade (cuja medida é o valor de uso) e a relação de troca (cuja medida é o valor de troca). As mercadorias não têm apenas valor de uso e valor de troca, mas também valor do custo de produção, como quem as produz, o trabalhador, bem sabe.
A partir desta constatação simples decorre que o trabalho, tendo valor de custo de produção, é também mercadoria, ao contrário do que o Marx afirmou, e é a mercadoria que o trabalhador assalariado vende ao capitalista, também ao invés do que o Marx afirmou. A famosa força de trabalho, cuja utilidade é precisamente a capacidade de produzir trabalho, não é coisa que o trabalhador possa vender, porque não se pode desprender do seu ser, mas é o que faz dele um produtor de mercadorias, um produtor de trabalhos com utilidade diversa.
Da errada identificação da mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado decorre a errada concepção marxista da génese do valor do custo de produção apropriado pelo capitalista, atribuída à capacidade sobrenatural da mercadoria especial de corrida força de trabalho para fornecer mais valor do que um seu suposto valor e não à troca desigual a que o trabalhador assalariado está sujeito na sociedade capitalista ao trocar trabalho presente por menor quantidade de trabalho passado. É por isso confrangedor ver JB, quase cento e cinquenta anos depois, a repetir erros crassos, autênticas baboseiras, do Marx.
JB erra também noutras questões em relação às quais o Marx foi apenas limitado, uma das quais em relação ao dinheiro, ao que ele tem representado ao longo da história e ao que representaria numa hipotética sociedade comunista. Na origem, o dinheiro foi apenas um meio de pagamento do trabalho da soldadesca, mas com o desenvolvimento da sociedade mercantil, a sociedade das trocas, tornou-se moeda (moeda de troca ou mercadoria usual na troca), substituindo de forma mais cómoda e versátil outras moedas, e adquiriu o estatuto de mercadoria equivalente geral, pela qual todas as outras se podem trocar. É temerário, contudo, afirmar a existência do dinheiro em sociedades sem exploração, que certamente não teriam necessidade de exércitos regulares pagos, ou pagos para além do pagamento em espécie que lhes acabedaria dos despojos do saque dos bens dos vencidos.
Mas a afirmação de que que o dinheiro é informação (e não veículo de informação, como o são outras tantas coisas) é de bradar aos céus. O dinheiro foi transformado em mercadoria equivalente geral, e, como mercadoria, tem valor de custo de produção, assim como valor de troca, ainda que modernamente, com a substituição da moeda metálica pelo bilhete ou nota de banco, o seu valor do custo de produção fique muito aquém do seu valor de troca fixado arbitrariamente pelo Estado. Ora, seria deveras difícil que uma hipotética sociedade comunista, mesmo que apenas dividida pela distância em comunidades produtoras locais e, por isso, não auto suficientes na generalidade das mercadorias, a troca, e com ela o mercado ou lugar onde ocorre, desaparecesse e com ela a necessidade de uma qualquer moeda de troca.
(continua)

Anónimo disse...

Já seria menos provável que uma tal moeda tivesse necessidade de assumir a forma dinheiro (moeda metálica ou bilhete ou nota de banco) quando os meios contabilísticos informatizados já hoje possuem as capacidades de computação conhecidas e, abolida a propriedade privada dos meios de produção, tivesse desaparecido a mercadoria trabalho vivo, o respectivo mercado e a troca desigual que caracteriza a exploração, eliminando assim a possibilidade de transformação do dinheiro em capital. Para que seria então necessário o dinheiro, sob qualquer forma, numa sociedade de troca equitativa, baseada na troca de equivalentes do valor do custo de produção, e não na troca desigual de que o valor de troca é expressão, na qual o trabalho morto seria a mercadoria universal e, com isso, tornasse dispensável uma mercadoria equivalente geral?
JB erra ainda repetindo outros erros do Marx, como em relação ao crédito, parecendo não compreender que o dinheiro de crédito, dinheiro vendido com pagamento a prazo, hipocritamente dito emprestado, essencial para o desenvolvimento do capitalismo (para a reprodução ampliada do capital e para a acumulação de capital produtivo), não corresponde apenas a dinheiro ocioso mobilizado dos mais diversos locais, o que já não seria pouco, mas em grande parte a dinheiro fictício, sem existência material na forma de moeda metálica ou de bilhetes ou notas de banco (com cobertura do seu valor de troca facial pelo valor de troca equivalente duma mercadoria de aceitação universal como é o ouro, por exemplo, com valor de custo mais elevado) e de existência meramente escritural nos balanços bancários, sem cobertura pelo valor de troca de outras mercadorias de menor liquidez.
Sem compreender a qualidade de dinheiro fictício de grande parte do dinheiro de crédito ele não compreende uma das principais causas do desenvolvimento tão acelerado do capitalismo industrial, muito superior ao que ocorreria se a acumulação se devesse apenas à troca desigual com modos de produção anteriores e entre formações sociais capitalistas com desiguais níveis de produtividade. Assim como não compreende o surgimento das crises de sobreprodução com origem nas crises financeiras, devidas precisamente ao crescimento desmesurado e sem controlo da parte de dinheiro fictício do dinheiro de crédito, de existência meramente escritural, nem tão pouco aceita as denúncias (enviesadas, é certo) que certa esquerda faz do capital financeiro, que de facto se tornou o dono do Estado burguês.
Ele julga, erradamente, que a dinâmica do capitalismo provém da chamada mais-valia relativa, como se a redução do custo de produção unitário proveniente do aumento da produtividade não implicasse aumento do volume das mercadorias produzidas, o qual, para ser transformado em aumento do valor apropriado sob a forma de lucro do capital, apesar da eventual baixa do preço unitário, não exigisse maior quantidade de dinheiro e, logo, maior quantidade de dinheiro de crédito e da sua componente de dinheiro fictício. Daí que não compreenda que o ritmo de desenvolvimento económico numa hipotética sociedade comunista onde não existisse a trapaça generalizada da troca desigual e da vigarice institucionalizada da venda de mercadoria alheia ou inexistente (o dinheiro fictício) seria necessariamente diferente do ritmo de desenvolvimento da sociedade capitalista.
(continua)

Anónimo disse...

Isto nada tem a ver com a redução dos ritmos de crescimento devido à escassez ou ao esgotamento de recursos naturais invocada pelos críticos ecologistas do capitalismo. Em todas as épocas as sociedades humanas sempre tiveram os recursos de que necessitaram (porque o que não existe, tenha existido ou não, não é necessário) e em todas as épocas houve recursos esgotados que foram substituídos por outros. O menor ritmo de desenvolvimento económico adviria da diferente organização da produção social, e teria como uma das compensações, antes de mais, muito menor desperdício e muito menor sofrimento humano do que os que resultam dos baixos salários, do desemprego recorrente ou persistente e das crises de sobreprodução do capitalismo (que nessa hipotética sociedade não existiriam de todo ou existindo, porque uma completa correspondência entre a produção e as necessidades humanas não seria talvez possível, teriam muito menor amplitude), e, depois, outras compensações derivadas da diferente organização política e cultural da sociedade.
Mas, é claro, imaginar o que seria o futuro dum presente que não existe, uma hipotética sociedade comunista começada a construir após a tomada do poder político e a partir dos meios de produção do capitalismo, é um exercício surrealista, que se presta a toda a sorte de fantasias. E daqui decorre outro dos erros clamorosos de JB, na esteira do Marx: a crença, pela fé, de que o comunismo proletário será o necessário sucessor do capitalismo. Nada permite sequer conjecturar essa possibilidade; na história, não se tem conhecimento de que uma classe explorada tenha sucedido na direcção da sociedade à classe que a explora; na realidade empírica, não existe qualquer modo de produção comunista (por exemplo, sob a forma de sociedades cooperativas de produtores associados, nas quais tenha sido abolida a relação de produção salarial) que esteja operando uma revolução económica, em concorrência com o modo de produção capitalista e lutando contra os entraves que a dominação política da burguesia capitalista coloque à sua expansão e aperfeiçoamento e, com isso, procurando levar a cabo a conquista do poder de Estado através da revolução política.
De qualquer modo, mesmo que na sociedade existisse um tal novo modo de produção, ainda que sob a forma embrionária invisível aos olhos que apenas vêem a floresta e não descortinam as árvores, que classe social seria a protagonista desse novo modo de produção? Produtores livres associados, produzindo em cooperação não seriam já trabalhadores assalariados. A revolução política que levariam a cabo não seria a revolução proletária. A revolução comunista proletária proclamada pelos anarquistas, pelos conselhistas ou pelos marxistas-leninistas e por outras correntes aparentadas não tem pés nem cabeça, é um daqueles mitos que povoam as utopias e as profecias.
É surpreendente como uma pessoa tão inteligente, como é certamente o JB, permaneça durante tantos anos preso a uma mitologia tão arcaica e persista repetindo erros tão clamorosos do Marx e produzindo outros ainda mais disparatados (que me abstenho de comentar).

JMC
aparenciasdoreal@blogspot.com

Miguel Serras Pereira disse...

Caro JMC,

não vou discutir a sua discussão do pensamento do João Bernardo, pois que é a ele que competirá responder-lhe, se assim o entender. Mas há uma objecção sua que me toca também e a todos os que encaram a possibilidade e a urgência de uma alternativa à sociedade actual: refiro-me à acusação de profetismo.
Ora, uma coisa é dizer, pensar e argumentar que uma sociedade sem instituições e sem lei, sem governo e sem poder, é uma "fantasia inconsistente", como lhe chamava Castoriadis; outra coisa é excluir a possibilidade de formas de governo e de poder que substituam aos modelos da empresa capitalista e do Estado a participação em pé de igualdade dos governados no exercício do poder que os governa, tornando-os governantes livres e responsáveis de si próprios. Ora, basta ler o que o JB escreve sobre a "democracia revolucionária" no ensaio-manifesto para que este post remete para vermos que a alternativa ao capitalismo não é, no seu modo de ver, um desfecho automático das contradições do capitalismo, e que, por outro lado, não é de construir uma sociedade sem governo nem gestão que se trata, mas de tornar efectivamente democrático o exercício do poder e o governo e a gestão da vida colectiva. A transformação digamos autogestionária, a que o JB chama "democracia revolucionária" (que Castoriadis designava como projecto de autonomia e a que eu tenho chamado por vezes "cidadania governante"), implica, não a desinstitucionalização mítica da vida social, mas outras formas de instituição e outra relação com as instituições transformadas ou a transformar.

Saudações democráticas

msp

Anónimo disse...

Miguel Serras Pereira.

Antes de mais, agradeço-lhe ter publicado o meu extensíssimo comentário. Não esperei tal, daí ter colocado o endereço de email (infelizmente, errado, devido a qualquer confusão involuntária em relação ao fornecedor do serviço, a Google e não a Bloger) através do qual poderia contactar-me, se assim entendesse.
Em relação à sua reacção àquele meu comentário, que lhe posso dizer a si “e a todos os que encaram … a urgência de uma alternativa à sociedade actual”, que desejam “formas de governo e de poder que substituam aos modelos da empresa capitalista e do Estado a participação em pé de igualdade dos governados no exercício do poder que os governa, tornando-os governantes livres e responsáveis de si próprios” e aspiram a “tornar efectivamente democrático o exercício do poder e o governo e a gestão da vida colectiva” se não que tudo isto são coisas bonitas, desejáveis por qualquer ser humano bem formado e reveladoras de um enorme altruísmo?
Feliz ou infelizmente, nem eu próprio sei, Miguel, já perdi a capacidade de me deixar iludir, e ao contrário de si e dos outros que pensam existir na realidade a possibilidade de que isso venha a acontecer eu não encontro na história nem na realidade empírica indícios de uma tal possibilidade. Não só não me parece que “a alternativa ao capitalismo … (seja) um desfecho automático das contradições do capitalismo”, como julgam os (ou muitos) marxistas de diversos matizes, como também não consigo alcançar como poderá uma classe social pretender conquistar o poder político para se destruir como classe social e não para expandir e aperfeiçoar o modo de produção de que seja a protagonista.
É por não vislumbrar a existência de quaisquer ilhas significativas de novos tipos de relações de produção em que o salariato tenha sido abolido e em seu lugar, por exemplo, tenha sido implantada a associação de produtores cooperativos que não comungo do seu idealismo. Esse tipo de organização política que propugna, a existir, terá de ser o resultado de interesses económicos de um novo modo de produzir (isto é, de novas formas de organizar a produção e de repartir o produto) que existam na sociedade em disputa com os interesses do modo de produção capitalista, e não obra da classe explorada deste modo de produção. Por muito que a exploração nos indigne, não é pelo desejo dos explorados de acabar com ela que será abolida. Se é que essa é uma pretensão dos explorados, e não de condoídos em seu nome, o que também não é seguro.
Desejo-lhe que tenha um bom Domingo. Vá votar, e vote bem, porque o voto ainda é uma forma de expressão da vontade e será certamente um meio através do qual se decidirá na sociedade que propugna. Por minha parte, farei o mesmo, porque este país, ao contrário do que diz o outro, ainda existe, e porque há muitos anos andei lutando para que ele se exercesse em plena liberdade.
JMC.