18/09/14

Exactamente o contrário


Não estando apostados no resgate de um qualquer "verdadeiro marxismo", interessa-nos sobretudo a discussão contemporânea acerca dos usos e possibilidades do comunismo, enquanto palavra que designa um horizonte igualitário e emancipatório, mas também uma prática subversiva específica, inseparável da crítica intransigente de tudo aquilo que existe. Não têm sido poucas as vezes em que essa palavra surgiu  para traçar um terreno de demarcação face às diversas variantes de liberalismo que estruturam o espaço público e falam ininterruptamente de cidadania e pleno emprego, de soberania e crescimento. O comunismo é para nós o movimento real que supera esse estado de coisas, que desnaturaliza as relações sociais vigentes, que interrompe o curso habitual da história para desenhar com um gesto livre a possibilidade de uma vida outra, de um mundo para lá do Estado e do trabalho assalariado, assente na partilha e na produção comum, pelo qual nos possamos libertar do reino da necessidade. É a essa luz que lemos a teoria e a história do movimento operário, que nos procuramos apropriar de ferramentas e conceitos de crítica tanto da economia política como das formas de poder, que nos empenhamos nos combates do nosso tempo e que insistimos em disputar uma palavra que continua a significar para nós exactamente o contrário daquilo que veio a representar durante grande parte do século XX.  
(da Introdução)

5 comentários:

António Geraldo Dias disse...

O comunismo existiu contra o idealismo averbou vitórias e derrotas que fizeram dele o acontecimento marcante que hoje é vivificado na luta contra o capitalismo e o imperialismo numa guerra sem quartel esse que se diz morto-a morte de uma ilusão ou porque porque nunca existiu- está bem vivo no meio da tragédia da crise do capitalismo ou do capitalismo em crise que arrasta consigo a crise da palavra - a palavra crise perdeu todo o seu significado, a palavra livre não quer dizer nada e agora a palavra comunismo quer dizer que não existiu- são as palavras não ditas -revolução comunista,movimento operário comunista-as que verdadeiramente revelam o estado do mundo nascente
na acção emancipatória.Renegar o passado por mais trágico só serve para alimentar a tragédia corrente,se crimes se cometeram em nome do comunismo não são com certeza esses crimes que alimentam o ideal comunista -mas é sim apesar deles que a ideia persiste - ideia trágica talvez mas não mais que a tragédia contemporânea-se é a isso que se refere não existe o contrário do crime-tudo o que podemos fazer é lutar para que ele não exista - tarefa difícil como a realidade sobejamente comprova.

joão viegas disse...

A ironia nunca existiu...

Ricardo Noronha disse...

A única coisa que posso fazer é recomendar-vos a leitura do livro na sua íntegra. É necessário estar a par dos argumentos nele presentes para que este debate ganhe algum interesse. E o título não é irónico: enquanto estado de coisas, modo de produção, etc., o comunismo nunca existiu e confundi-lo com o capitalismo de Estado contribui acima de tudo para que não se possa sequer pensar no assunto com alguma profundidade.

Miguel Serras Pereira disse...

Claro, Ricardo, conto lê-lo de um fôlego nos próximos dias. E sublinho o que dizes quando sugeres que chamar comunismo ao capitalismo de Estado de tipo (dito por antífrase) soviético, ou insinuar que esse regime foi anticapitalista e igualitário só pode alimentar confusões e equívocos que comprometem mortalmente a construção de alternativas políticas à ordem estabelecida e às oligarquias dominantes (ou fracções que aspiram a sê-lo).
O exercício que propus não se pretendia crítico do conteúdo do livro. Era uma espécie de ponto prévio. Tenta que mostrar que falar de "comunismo" sem mais é impossível para quem queira falar claro — e que razões semelhantes nos obrigam, quando falamos de democracia, a explicitar claramente que tipo de regime temos em vista. No entanto, através da mobilização de termos como "cidadania governante", "participação igualitária e comum nas decisões e na votação das leis", etc., etc., creio que, apesar de tudo, é mais fácil desfazer os equívocos inerentes ao uso da palavra "democracia"…

Abraço

miguel(sp)

Ricardo Noronha disse...

Caro Miguel, deixei um comentário no teu post, à laia de resposta. Podemos continuar o debate por lá. Abraço.