15/12/14

O espectro do Syriza assombra o João Rodrigues que intrepidamente denuncia a sua moderação e lança um vibrante apelo à vigilância dos seus companheiros de jornada

Lendo a inacreditável prosa — alertando, presa do pânico, para a ameaça que representa para todos os nacionalistas da Europa uma eventual vitória do Syriza na Grécia — da posta arrotada pelo João Rodrigues sob o título Ajuda grega, compreendemos melhor como, mais do que o actual governo ou os seus opositores do arco da governação, a frente ampla da "política patriótica e de esquerda", que se cometeu com a desagregação da UE como aposta prioritária, receia a possibilidade — infelizmente remota, no imediato — de ver aparecer por cá qualquer força que tenha a contrapor, como alternativa às políticas austeritárias hoje governantes na UE, qualquer coisa um pouco menos desastrosa, e mais favorável a uma democratização efectiva das relações de poder dominantes, do que a austeridade agravada, que resultaria da desagregação da UE e da rectivação reforçada da soberania dos Estados-nação nas quais apostam, rivalizando em ardor, tanto o vanguardismo do PCP como os companheiros de jornada do João Rodrigues. Mas, no fundo, é compreensível: com efeito, o Syriza não só é responsável pela contenção dos fascistas do Aurora Dourada como pelo enfraquecimento da "política patriótica e de esquerda" que, na Grécia, tem por vanguarda o KKE.

9 comentários:

João Valente Aguiar disse...

As coisas são assim:

1) na Grécia a Aurora Dourada e o KKE defendem a saída do euro, o que equivalerá a cerca de 15% dos votos. Mas a grande vantagem é que existe o Syriza que é moderadamente europeísta, precisamente com o dobro dos votos dos nacionalistas juntos. Ora, num contexto económico (ainda) muito pior do que o português, e onde a extrema-direita tem uma força de rua relevante, o Syriza notabiliza-se pela coragem de ter defendido com sensatez a transformação da arquitectura institucional europeia mas sem romper com o euro. Independentemente de discordâncias, aplaudo esta posição do Syriza em ter colocado a tónica no plano europeu e menos no nacional. Curiosamente, no caso português, há também cerca de 15% de potenciais votos favoráveis à saída do euro mas não existe nada à esquerda do PS contra a hegemonia nacionalista e irracionalista na margem esquerda. E assim temos um centro-esquerda (o PS) à esquerda da sua esquerda. Paradoxal? Só para quem ler as coisas de um modo estanque e unicamente pelas classificações proto-clubistas dos partidos. Só em Portugal é que se acha que a saída do euro não é uma bandeira conotada com a direita.

2) Como é que os "camaradas" que defendem a saída do euro, e que andavam a cantar loas ao AfD, respondem agora ao facto desse partido alemão andar a captar o sentimento anti-imigração, que todas as semanas anima algumas manifestações de rua xenófobas? É que os nacionalistas de esquerda podem dizer sempre que o seu patriotismo é melhor e mais bonzinho do que o dos outros. Não duvido dessas benévolas intenções. Mas nunca poderão garantir que a sua peculiar fusão do nacional e do social não redunde num nacionalismo agressivo. Aliás, esse é o desenvolvimento óbvio de todos os nacionalismos, se ficarem com a rédea solta. Como nota final deste ponto, como é que esta gente acha que vai ganhar num terreno que foi sempre, mas sempre, ganho e recuperado pela direita?

3) Os nacionalistas perderam completamente a guerra, pelo menos para os próximos anos. Os tecnocratas ganharam em toda a linha e vão continuar a sua tarefa de crescente integração da União Europeia e das suas instituições. Paulatina e gradualmente o poder dos tecnocratas aumentou com a crise, depois dos sustos de 2011 e primeira metade de 2012. O problema disto tudo é a colonização da extrema-esquerda portuguesa por um pensamento nacionalista, e que se vai manter. Processo curioso este em que os capitalistas vencem em toda a linha e continuam a cumprir os seus princípios de transnacionalização económica e a esquerda, que de costas para o processo real, continua a gritar por um mundo que acabou nos anos 30. E digo anos 30 porque o que certa esquerda defende não é o keynesianismo do pós-guerra. Este caracterizou-se como uma resposta de internacionalização da economia face aos nacionalismos dos anos 30. Espantoso como ainda hoje há quem queira fazer do Keynes um estatista quase-autárcico quando a política económica que influenciou resultou numa muito maior internacionalização económica, face ao cenário de reforço dos Estados nacionais, dos proteccionismos e da contracção do comércio internacional das décadas de 20 e 30. Aliás, é da frutuosa interligação entre os Estados, as organizações internacionais e as empresas que o capitalismo se aprofunda, se expande internacionalmente e se moderniza, precisamente o que o keynesianismo conseguiu no pós-guerra. E é o que os BRICS conseguiram na última década e meia: utilizar o Estado (e as instituições internacionais de articulação dos interesses dos Estados) como alavanca para a internacionalização da economia. Como se alguma vez em capitalismo o Estado fosse antagónico dos mercados e das empresas... Só no plano ideológico é que isso acontece, nunca no plano concreto onde a classe dos gestores conseguiu fazer o capitalismo avançar. E vamos andando nisto, num mundo em que os capitalistas são mais internacionalistas do que a esquerda...

Um abraço

Anónimo disse...

"posta arrotada". tá bonito, tá.

Anónimo disse...

"posta arrotada"
a boa educação abunda por aqui.

Desde quando é que PCP e o KKE têm a mesma posição sobre a Europa e euro?

Cromos.

MS

Miguel Serras Pereira disse...

MS,
se ler o meu post com atenção, verá que eu não digo que o PCP e o KKE são iguais — mas nem por isso deixam de ocupar posições homólogas no tabuleiro político-partidário de Portugal e da Grécia, ou no da Europa e no "global".

msp

Anónimo disse...

Essa argumentação de que têm posições homologas não tem qualquer sentido, ou têm a mesma posição ou não têm (e não têm). homólogos em certa medida todos podemos ser, basta quem num determinado momento estejam no governo ou na oposição, naturalmente que isso não que dizer nada.
O que conta aqui é que tudo o que se diz tem de trazer o PCP à colação, nem que seja a descambar atribuindo-lhe posições que nunca teve ou assumiu.
sobre o euro e a Europa o PcP tem uma posição clara e honesta, que se afirma por si mesma e sem recorrer à desqualificação e à desonestidade intelectual tão característica deste blogue. Felizmente para o país e os trabalhadores essa posição tem cada vez mais aderentes e não são as vossas reacionarices e ataques soezes que nos vão fazer desistir.
MS

Miguel Serras Pereira disse...

MS,
está visto que não nos entenderemos tão cedo. Se há diferenças entre o PCP e o KKE, há também convergências importantes: a demonização da UE como inimigo principal e a aposta na sua desagregação, a rejeição do euro, o soberanismo e, grosso modo, uma convergência geoestratégica fundamental.

msp

Anónimo disse...

Da mesma forma que seria desonesto da minha parte afirmar que as posições europeístas, a defesa da moeda única, etc dos escribas deste blogue convergem as posições do presidente da comissão europeia, a Merkel e o Durão Barroso, é desonesto da vossa alinhar as posições do PCP como o KKE (politicamente sobretudo próximo do MRPP) e a Aurora Dourada. Politicamente valeria zero e não passaria de pura provocação. MS

Anónimo disse...

Mais, afirmar convergências implica também que haja convergência na acção, ao nível do PE demonstre a existência de qualquer convergência, por exemplo.

Miguel Serras Pereira disse...

MS,
eu não afirmei nem afirmo que o KKE e o Aurora Dourada se equivalem: digo que, por razões diferentes, o Syriza tirou força ao KKE e travou com êxito o crescimento do Aurora Dourada. Menos ainda afirmei que o PCP e o Aurora Dourada são a mesma coisa.
No que mais interessa, eu defendo — como o Syriza, apesar de tudo o que me parece insuficiente ou ambºiguo nas suas propostas — uma solução europeia que permita romper com o austeritarismo na Europa, e penso que tentar combater o austeritarismo da oligarquia governante na UE, etc., através do regresso às soberanias nacionais e à ruptura com as perspectivas de integração fiscal, orçamental e constitucional é propor um remédio pior do que o mal, não podendo conduzir senão a mais austeritarismo, autoritarismo, militarização, etc., etc. As raízes da crise são transnacionais e é no plano transnacional que devemos combatê-la — ou aprofundá-la, no sentido da democratização.

msp