19/02/15

Entre o governo grego encostada à parede e a UE no fio da navalha


A Alemanha rejeita a proposta da Grécia para extensão do empréstimo por seis meses, por não satisfazer as condições exigidas pela zona euro nem as do programa de assistência financeira em curso. "A carta proveniente de Atenas não é uma proposta substancial para uma solução", disse o porta-voz do ministério alemão, Martin Jäger, num breve comunicado.
(…)
Um porta-voz do executivo comunitário, no briefing diário da Comissão Europeia, considerou hoje que o pedido de extensão da ajuda financeira enviado pela Grécia seria uma base para um compromisso em sede do Eurogrupo de sexta-feira. O pedido - uma carta com "duas páginas" - de Atenas "abre a possibilidade de um compromisso razoável", sublinhou, Margaritis Schinas.



É impossível saber neste momento se, ao nível da direcção da UE, e perante o governo grego, prevalecerão, nos termos de que se serviu o João Valente Aguiar no comentário a um dos meus posts anteriores, "as burocracias nacionais que actuam na esfera europeia" e os membros de "uma tecnocracia especificamente europeia" interessada em  "promover uma UE crescentemente desvinculada das burocracias nacionais" — tanto mais que, apesar da "conflitualidade profunda" que separa as suas linhas, não existe menos entre elas uma também profunda — ou ainda mais profunda — solidariedade oligárquica. O que é certo, em contrapartida, e deveria fazer toda a diferença para todos os que estão empenhados na salvaguarda e posterior extensão das condições de uma democratização efectiva à escala europeia — sem esquecer as suas consequências "globais" — é que encostar o governo grego à parede é, em todos os planos relevantes, colocar no fio de uma navalha particularmente cortante a própria UE, em benefício da intensificação dos nacionalismos, dos riscos de guerra e de uma regressão social que fara parecer a actual austeridade o simples aperitivo de um veneno imensamente mais letal.


4 comentários:

nunocastro disse...

Não estará a exagerar um pouco? A Grécia não é assim tão importante, nem as derivas nacionalistas assim tão estranhas à Europa actual...

nunocastro disse...

Ah, e mais uma coisa: não concordo nada com a ideia de uma tecnocracia europeia interessada em desvincular-se das burocracias nacionais. Se há coisa que caracteriza essa tecnocracia é o seu profundo arreigamento às burocracias nacionais. Basta ver os processos de recrutamento.

João Valente Aguiar disse...

Nuno Castro,

Não creio que a tecnocracia mais transnacionalizada se desvincule das burocracias nacionais dos Estados europeus mais poderosos. Afinal ambas pertencem a uma mesma classe social.

A questão do recrutamento é, a meu ver, secundária. Em termos históricos a constituição de novas e mais vastas instituições políticas recorreu várias vezes a elementos que , de uma forma ou de outra, acabaram por ajudar a colapsar as formas de poder anterior. Por exemplo, a constituição dos Estados absolutistas europeus fez colapsar a parcelarização das soberanias senhoriais locais pela edificação de um Estado centralizado que, entre outros aspectos, recrutou os seus quadros precisamente junto da aristocracia que viu perder poder relativamente a essa instância central(izada) e mais vasta que entretanto surgiu. Outro exemplo, Bismarck era de origem Junker e a sua governação não obstaculizou em nada, bem pelo contrário, a ascensão da então burguesia industrial e da correlativa, embora mais paulatina e silenciosa, ascensão dos gestores. Um exemplo ainda mais recente. O PT no Brasil veio em grande parte da classe operária e transformou-se num sector dos gestores capitalistas no Brasil. Se o recrutamento fosse sinónimo da substância das medidas aplicadas e dos princípios macrossociais associados não haveria mudança social.

Sobre o caso em apreço. A questão, como disse, não está no recrutamento mas no facto de que a incapacidade da UE actuar como um espaço integrado e supranacional depende, em boa medida, da permanência de ideologias nacionalistas em boa parte da população, e também porque há uma boa parte dos seus gestores que operam nas instituições europeias pensando acima de tudo nos interesses do seu aparelho de Estado (exemplo do Ministro das Finanças da Alemanha e do seu "séquito" na Holanda, Portugal, Espanha, etc.) e não no do futuro de um espaço transnacional. Ou seja, de um espaço em que os actuais Estados seriam sobretudo entidades administrativas e prestando contas (no nível orçamental, fiscal, etc.) a instituições não-alemãs, não-gregas, etc. mas europeias no seu sentido pleno. Pelo contrário, os Estados europeus convivem, no plano político-institucional, como actores decisórios, o que introduz um desfasamento entre a abertura económica da UE (Mercado Comum) e o nível da regulação política. Um exemplo da intromissão perigosa dos Estados nacionais mais poderosos nesse processo de integração que harmonizasse uma eventual supranacionalização com a real supranacionalização económica é a continuada e recorrente alusão a possíveis controlos fronteiriços no interior da UE a cidadãos da própria UE.

Sobre o facto da Grécia não ser "assim tão importante". Vistas as coisas em panorama, o problema não está na Grécia mas na Caixa de Pandora que uma Grexit poderia ter na restante zona euro e na UE. Ainda por cima quando por várias vezes o BCE afirmou que iria fazer tudo para manter o euro e que uma saída grega teria consequências devastadoras, isso significaria uma colossal quebra de confiança nas instituições que regulam a UE. Em suma, todos iriam começar a pensar, se sai um podem sair dois ou três. É como o sistema financeiro. Ao primeiro sinal de quebra de expectativas positivas a avalanche começa. Uma Grexit teria, no conjunto da zona euro, um efeito análogo. Doravante a zona euro ficaria em cheque. E com ela qualquer projecto minimamente consistente na travagem dos nacionalismos que, até à fundação da Comunidade Europeia, tinham colocado a Europa a ferro e fogo.

Miguel Serras Pereira disse...


A clivagem entre as duas facções dos quadros políticos da UE manifesta-se no interior do próprio governo da Alemanha. Poucas horas depois de Schäuble rejeitar liminarmente as propostas do governo grego, o vice-chanceler Sigmar Gabriel (SPD) sai a terreiro contra as declarações do ministro das Finanças (Cf. http://www.jornaldenegocios.pt/economia/europa/uniao_europeia/zona_euro/detalhe/sigmar_gabriel_demarca_se_de_schuble.html).
Vamos ver.