12/11/15

Um Governo do PS com o apoio da esquerda -I

Depois da aprovação da moção de rejeição do programa do Governo da PàF está em marcha a tomada de posse de um Governo do Partido Socialista, liderado por António Costa. É isso que vamos ter: um Governo do Partido Socialista. Governo tornado possível pelo histórico processo político que permitiu juntar à mesa - ainda que em mesas separadas, como se veio a verificar ao longo do processo - PCP, PEV  e BE, com o ex-membro do arco-da-governação, o PS.
Para quem sempre defendeu os entendimentos à esquerda e as vantagens políticas de os partidos da esquerda serem capazes de estabelecer compromissos, este momento é um momento histórico. Pela primeira vez um governo terá a sua legitimidade ancorada num compromisso político que envolve toda a esquerda parlamentar. Compromisso que, não sendo total, foi escrito com letras suficientes, com as palavras certas, para ser capaz de aguentar as tormentas da legislatura.

A base política para este acordo é uma vontade imensa e um  programa mínimo.
[O carácter antidemocrático da nossa direita, de grande parte dela, para retomar a formulação de Freitas do Amaral, ficou mais uma vez à vista no escarcéu que fizeram perante a simples e cristalina normalidade democrática. Parecia que tinha sido declarada a República Bolchevique de Portugal.] Uma vontade imensa de derrotar a direita radical e de salvar Portugal do retrocesso e da degradação social. Um programa mínimo com medidas de carácter redistributivo, essencialmente de devolução dos rendimentos retirados, capaz de constituírem uma resposta eficaz à emergência social com que os portugueses se confrontam. Nada que se possa desvalorizar depois da devastação austeritária promovida por Passos e Portas. Um programa que ensaia um conjunto de medidas fiscais com impacto real na vida das pessoas, como acontece com a proibição das penhoras das casas de habitação ou com a promessa de limitar o saque fiscal a que Portas e Passos submeteram os portugueses. (Saque fiscal a que cinicamente chamaram "melhoria da eficácia da máquina fiscal", eufemismo que adocica o puro e duro abuso do poder).  Ou a retoma da ideia da cláusula de salvaguarda no IMI, um paliativo importante face ao terror que o IMI constitui, na sua versão actual.  Mas, mesmo assim, um programa mínimo.
Um programa incapaz, por si só, de determinar que o próximo Governo rompa de forma clara com aspectos essenciais da política seguida até hoje. Mas, claramente, uma ajuda importante nesse sentido.

Ora, parece evidente a qualquer um, que o que mudou no relacionamento entre as esquerdas é que todas elas mudaram. Mudou o PCP, célere a reagir à ultrapassagem pela esquerda concretizada pelo BE,  e a marcar politicamente o tempo que se seguia; mudou o PS, incapaz de mobilizar uma nova maioria a partir de uma posição excessivamente centrista, que percebeu ser a aliança à esquerda o único caminho para recuperar o pé perdido, e os mais de oitocentos mil portugueses que, em 10 anos, lhe viraram as costas; mudou o BE, que, reforçado com votantes vindos de todo o lado, percebeu ter sido a disponibilidade manifestada pela porta-voz para o diálogo - no célebre debate com António Costa -  que tornou o partido merecedor dos votos de tantos portugueses, tendo decidido avançar  para o dialogo e o compromisso. Todos mudaram.

Por isso faz todo o sentido admitir que António Costa, ao longo destas semanas, não apenas se disponibilizou para o compromisso à esquerda - é o primeiro, primeiro- ministro socialista, cuja eleição foi assegurada pela unidade das esquerdas - como terá redefinido um conjunto mais ambicioso de objectivos de política interna e sobretudo europeia, que aposte na reconfiguração da Europa, para possibilitar um longo período de transformação progressista do nosso país. A transitividade das dependências, do estilo, "Merkel manda em Sigmar Gabriel que por sua vez manda em António Costa", talvez não se aplique de todo, neste caso.

Para saber como o Governo vai mudar a vida de todos nós, temos que esperar em primeiro lugar pelo programa que o PS vai apresentar à Assembleia da República, e depois pela governação.
Gostaria de ter escrito neste post que Portugal vai ter um Governo que resulta de uma coligação pós eleitoral dos três partidos que suportam politicamente o Governo. Em que todos os partidos comprometidos se envolviam a fundo nas responsabilidades governativas, na construção das respostas políticas de todos os dias.  Não foi essa a vontade dos protagonistas e foi pena, acho eu. Mas essa reflexão fica para depois.

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