09/01/16

Repolitizar a política

A repolitização da política que o Miguel Cardina recomenda — recomendação que a Joana Lopes secunda — é, sem dúvida, urgente, mas, para ser digna desse nome, exige um pouco mais do que a denúncia do populismo como recusa indiferenciada da política. E, para começar, deveria também ser capaz de distinguir o grão de verdade e boas razões que a recusa sumária da política contém e graças ao qual pode ser investida como forma de revolta ou descontentamento com o mal-estar actual. Não é, com efeito, que os políticos e os partidos sejam todos iguais e, menos ainda, que a solução passe pela consagração/aclamação de um poder (político) apolítico e acima dos partidos (entenda-se: plataformas e propostas políticas alternativas) — saída que só pode conduzir a uma absolutização do poder dos governantes tidos como acima da política e a fórmulas, mais ou menos declaradas ou mascaradas, de partido único. Mas a verdade é que, seja como for, a cena política instituída, o regime de exercício do poder político que sofremos, comporta formal e substancialmente uma exclusão do autogoverno democrático assente na cidadania activa e uma reprodução e reciclagem permanentes da distinção estrutural e permanente entre governantes e governados cuja superação deveria ser o propósito primeiro e último da repolitização da política e da sua generalização democrática. Nesta ordem de ideias, não basta, por exemplo, denunciar como a Joana o "voto contra"/"voto útil" na primeira volta das presidenciais, repolitizando a política através de um voto de convicção. Mas seria necessário, por exemplo, denunciar e combater uma concepção da "presidência da república" que a identifica com a "chefia do Estado", tal como insistir em que, em múltiplos casos importantes e por princípio, a tiragem à sorte é democraticamente preferível à eleição, do mesmo modo que o voto democrático e repolitizador da política não se traduz na eleição de representantes ou chefes de Estado, mas na deliberação e decisão das leis e medidas de organização da vida colectiva por cidadãos governantes no exercício de um poder político alternativo ao que perpetua um Estado e a sua divisão hierárquica do trabalho político entre governantes e governados, gestores e geridos, representantes e representados…  

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