25/03/16

Quando Wolfgang Münchau se indigna com razão, mas se engana no diagnóstico do mal

Leio muitas vezes com interesse Wolfgang Münchau, apesar de os seus pressupostos fundamentais não serem os meus, e as suas reflexões sobre a questão europeia são, do meu ponto de vista, particularmente estimulantes. No entanto, quando ele escreve:

O acordo com a Turquia é o mais sórdido que eu já vi na política europeia moderna. No dia em que os líderes da UE assinaram o acordo, Recep Tayyip Erdogan, o presidente turco, revelou tudo: "A democracia, a liberdade e o Estado de direito... Para nós, essas palavras já não têm absolutamente nenhum valor." Naquele momento, o Conselho Europeu deveria ter terminado a conversa com Ahmet Davutoglu, o primeiro-ministro turco, e tê-lo mandado para casa. Mas, em vez disso, fez um acordo com ele - dinheiro e muito mais em troca de ajuda com a crise de refugiados 

creio que passa completamente ao lado da chã realidade e perde de vista o essencial. Com efeito, a oligarquia de políticos tecnocratas e de gestores que governa a UE é levada pelos seus interesses de classe próprios a subscrever sotto voce a declaração de Erdogan que justificadamente indigna Münchau,  por muito que oficialmente tenha de prestar uma homenagem cada vez mais ritualizada e vazia aos valores que Erdogan despreza. As liberdades constitucionais, o Estado de direito e os direitos de tradição democrática dos cidadãos são aos olhos do poder político — tanto oficial como efectivo — da oligarquia da UE pesos mortos do passado, consequências de situações adquiridas, resistências à modernização e à reorganização económicas, que, não se atrevendo de momento a eliminar de uma assentada, precisa de corroer e desgastar a fim de perseguir com a eficácia que desejaria máxima os seus objectivos. Assim, o que o acordo com a Turquia põe em evidência não é que o governo da UE tenha traído os seus propósitos, mas a convergência fundamental entre a sua ideia de bom governo e a ideia de bom governo de Erdogan. E não só, para piorar as coisas, todavia. O acordo revela também a ausência de cidadania activa e de vontade de democratização que se instalou na UE, a enorme regressão civilizacional que o crescente poder da economia política governante promove, sem provocar respostas ou propostas alternativas capazes de marcar a agenda, todos os dias. Um pouco mais, todos os dias.

1 comentários:

Anónimo disse...

Saiu hoje ujma entrevista em Istambul com Tariq Ali - ao diário BirGun - em que ele sinaliza que, o estado-maior da Nato, caso o plano de contenção dos refugiados falhar, vai impelir o exército turco a afastar Erdogan. E diz mais:as referências e citações de Erdogan vão de Hitler a GW. Bush; e vitupera a politica de terra queimada de Erdogan contra a minoria curda, pois, no seu entender," só favorece os extremistas do TAK e do Isis, acabando por enfraquecer os planos de reconciliação promovidos pelo partido curdo moderado HDP".Tarik Ali mostra-se muito céptico sobre as possibilidades de êxito do plano da União Europeia e da Nato para a contenção dos fluxos de refugiados no Mediterrâneo, pois, diz, a politica de duplicidade é sempre perdedora. Niet