03/04/16

A Constituição por cumprir. A Habitação



Celebraram-se 40 anos da aprovação da Constituição da República Portuguesa. Estes dias foram marcados por diferentes comemorações que enfatizaram, da esquerda à direita, a importância do texto constitucional para a construção e consolidação do regime democrático.
Curiosamente, este aniversário comemora-se no momento em que um Governo - apoiado por uma maioria de esquerda pluripartidária - ensaia, para lá do programa do Governo em funções, um debate que conduzirá, espera-se, a alterações relacionadas com os aspectos mais sórdidos da política de Habitação. A Habitação é, sem sombra de duvida, um dos grandes falhanços do regime democrático inaugurado no 25 de Abril, e um dos domínios em que a Constituição foi mais severamente ignorada. Esse falhanço e a sua compreensão é fundamental para percebermos a evolução geral do País e as razões pelas quais ele se tornou um campo fértil para a expansão de uma desigualdade crescente. A explicação para esse falhanço encontra-se nas opções políticas que esquerda e direita fizeram ao longo de quatro décadas de democracia. No plano nacional e no plano local do exercício do poder executivo.
Na Parte I do texto Constitucional, designada  por "Direitos e Deveres Fundamentais" no seu Título III - Direitos e Deveres Económicos, Sociais e  Culturais,  determina-se no Capítulo II - Direitos e Deveres Sociais, no seu Artº 65º- DIREITO À HABITAÇÃO E AO URBANISMO, o seguinte:

 1. Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.
2. Para assegurar o direito à habitação, incumbe ao Estado:
a) Programar e executar uma política de habitação inserida em planos de ordenamento geral do território e apoiada em planos de urbanização que garantam a existência de uma rede adequada de transportes e de equipamento social;
b) Promover, em colaboração com as regiões autónomas e com as autarquias locais, a construção de habitações económicas e sociais;
c) Estimular a construção privada, com subordinação ao interesse geral, e o acesso à habitação própria ou arrendada;
d) Incentivar e apoiar as iniciativas das comunidades locais e das populações, tendentes a resolver os respectivos problemas habitacionais e a fomentar a criação de cooperativas de habitação e a autoconstrução.
3. O Estado adoptará uma política tendente a estabelecer um sistema de renda compatível com o rendimento familiar e de acesso à habitação própria.

4. O Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais definem as regras de ocupação, uso e transformação dos solos urbanos, designadamente através de instrumentos de planeamento, no quadro das leis respeitantes ao ordenamento do território e ao urbanismo, e procedem às expropriações dos solos que se revelem necessárias à satisfação de fins de utilidade pública urbanística.

5. É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território.

Não existe em Portugal uma Política de Habitação, ou melhor, existe uma Política de Habitação que é a negação do que está definido na Constituição.
Deve ter sido a consciência deste rotundo fracasso que levou o PCP a - no dossier que dedica à efeméride-  não ter, entre os 34 artigos da Constituição que salienta, incluído o artº 65º . Não haveria coisas boas a dizer, sobre a questão, todos sabemos.

Decorre entretanto uma campanha para colocar a revisão constitucional na agenda política. Trata-se de, em sintonia com a narrativa da direita mais acirradamente neoliberal ou neoconservadora, aliviar o texto Constitucional dos seus "desvios" socializantes. Nesta perspectiva a Constituição é vista como a principal responsável pela ineficiência económica, já que retira ao livre arbítrio do mercado a  condução dos assuntos económicos. Ora se existe um campo em que sucessivos governos atribuíram ao Mercado a condução da política é de facto na questão da Habitação. Os resultados são o que se sabe.

0 comentários: