05/10/16

Um ano da Geringonça. Falta de Ambição

A entrevista de António Costa ao Público assinala um ano desta solução governativa resultado do  apoio parlamentar dos partidos da esquerda.Uma solução que rompeu uma das mais nefastas  impossibilidades que caracterizavam a politica portuguesa. A entrevista é uma boa síntese dos tempos que passam. Tempos marcados pela falta de uma ambição politica que permita romper com o ciclo de empobrecimento a que nos condenaram. Uma entrevista cinzenta, sem um rasgo de ambição, sem ser capaz de transmitir nenhuma perspectiva de mudança possível na sociedade portuguesa.
O acento tónico no controlo do défice como elemento central da politica mostra que no essencial ela se  faz subordinada à agenda que Bruxelas nos impõe.
Não penso que tenha que ser assim. Este Governo está a falhar no relançamento do crescimento, porque não tem sido capaz de assumir que a desigualdade, e a corrupção a ela associada, são factores estruturais que impedem qualquer possibilidade de crescimento . Porque não é capaz de reformular a contratação pública, acabando o ciclo da contratação eminentemente politica - de que os ajustes directos foram a expressão máxima - e devolvendo aos empresários a vontade de investirem.
Porque nada faz para reformar a justiça introduzindo celeridade e equidade na actuação das instituições como a AT e a Segurança Social na relação com os cidadãos e as empresas.
Porque tem sido timorato nos domínios da saúde, da educação e omisso relativamente à habitação e à promoção do arrendamento.
Porque nada fez para valorizar a actuação das pequenas e médias empresas submetidas a um ciclo de extorsão fiscal ao longo dos últimos anos.  Permanecem activos todos os logros e todas as nefastas politicas que a Troika e o anterior Governo implementaram.
Este Governo não mostra ter uma agenda para o território, além da manutenção de uma agenda reformista centrada na criação de condições para a  eficiência económica que são paradigmáticas do modelo neoliberal e austeritário. Este Governo nada fez e nada faz para introduzir equidade na politica pública de ordenamento do território e dessa forma mostra-se incapaz de romper com o paradigma neoliberal que aqui nos trouxe. Veja-se a forma como não mostra qualquer interesse em rever a lei de bases da politica pública de solos, do ordenamento do território e do urbanismo. Lei cuja aprovação pelo anterior governo defraudou as expectativas que estiveram  na origem da sua elaboração.
Apostar todas as cartas na formação e numa futura meritocracia é insistir num dos logros mais desgastados da velha social-democracia europeia: o mito da meritocracia. Os gabinetes dos ministros, os gabinetes de todos os actores politicos com os seus boys e os seus jovens doutores, os lugares de chefia na administração pública,    bem como os lugares de direcção das empresas fortemente ligadas ao sistema politico, aí estão para nos mostrar que isso são apenas palavras ocas, que o vento acabará por varrer.
Faz falta uma Geringonça mais ambiciosa, mais utópica, mais empenhada.


3 comentários:

António Geraldo Dias disse...

Um texto que faltava contra o economicismo dominante que impede pensar criticamente uma solução política consistente sem o que qualquer programa económico não sobreviverá aos aventares de um complexo financeiro-mediático capaz de sobreviver a si próprio com capacidade para impor agendas e submeter governos demasiado moles para os defrontar-pior que a trajetória económica tem sido o comportamento político defensivo.

José Guinote disse...

O pensamento politico defensivo manifesta-se quando é necessário um tão grande alarido para garantir um acréscimo nas pensões mais baixas de 10€ por mês. Ou quando se faz um enorme alarido à volta da cimeira de Bratislava e depois se fica com a sensação que a montanha pariu um rato - ou uma ratazana - já que o assunto saiu do discurso politico, no dia a seguir. Um dos problemas dos partidos socialistas europeus tem sido a sua nefasta opção por funcionar no contexto da utopia austeritária. António Costa tem recorrentemente salientado que este Governo prova que é possível uma outra politica que rompa com a austeridade. Mas, cada vez mais, a sensação que fica é a de que essa rotura é sobretudo retórica.

António Geraldo Dias disse...

Concordo consigo que a rotura é sobretudo retórica e que essa sensação tenderá a reforçar-se à medida que o efeito da reposição de rendimentos e de algum combate à austeridade se diluírem- o debate no espaço público do OE é ilustrativo- não penso porém que tudo decorre da imposição externa,as contradições no PS são próprias tal como as dos outros partidos que aprovarão o orçamento,o BE e o PCP.