01/02/17

E os drusos?

Na Ordem Executiva de Trump suspendendo a entrada de nacionais da Síria, Iraque, Irão, Afeganistão, etc., há uma cláusula qualquer dizendo que indivíduos de minorias religiosas perseguidas desses países podem ter um tratamento excecional e serem autorizados a entrar (há quem diga que isso não passa de uma maneira rebuscada de implementar a famosa "proibição de muçulmanos" sem violar a constituição - proibir a entrada de nacionais de países maioritariamente muçulmanos, e depois abrir uma exceção para minorias religiosas).

Muita gente tem comentado sobre se isso abrange xiitas ou sunitas à beira de serem massacrados por sunitas ou xiitas (os xiitas da Síria - em zonas controladas pelos rebeldes - ou os sunitas do Iraque - nas zonas controladas pelo governo - podem ser considerados minorias religiosas perseguidas), ou se, para efeitos da "ordem executiva", são todos simplesmente muçulmanos (e portanto parte da maioria supostamente perseguidora).

Mas vamos complicar ainda mais - e os drusos? Uma comunidade religiosa que na Síria é frequentemente vítima de massacres pela Al-Qaeda - contam como minoria religiosa? É que no caso deles nem há consenso sobre se são muçulmanos (dá-me a ideia que os do Líbano tendem a considerar-se muçulmanos, na divisão de deputados no parlamento libanês - metade muçulmanos, metade cristãos - entram na metade muçulmana e na guerra civil libanesa foram talvez o grupo mais militante do lado associado aos muçulmanos; em Israel tendem a considerar-se uma religião separada - não sei se eventualmente incentivados pelas autoridades israelitas - sendo talvez o grupo de população de língua árabe mais pró-israelita) - de acordo com algumas descrições da sua doutrina, eles acreditam que um califa do XI foi a encarnação de Deus, o que me parece que os colocará face aos muçulmanos na mesma situação que os cristãos face aos judeus (pessoas que até dado altura praticavam a mesma religião, mas depois apareceu uma pessoa que uns consideram Deus encarnado e ou outros não).

[Ainda por cima, um druso - ou pelo menos descendente de drusos - está à beira de se tornar o homem-forte da Venezuela; palpita-me que os trumpistas - anti-muçulmanos, anti-latinos e anti-esquerda - vão adorar, e que, incidentalmente, isso vai contribuir para que, do ponto de vista do governo dos EUA os drusos sejam vistos como muçulmanos]

E, já agora, os shabaks, do Iraque, perseguidos tanto pelo Estado Islâmico como pelo Partido Democrático do Curdistão, e que também não parece haver consenso sobre se são muçulmanos ou não? Aliás, mesmo os alauítas da Síria (como a família Assad) foram muitos anos considerados pelos outros muçulmanos como não sendo bem muçulmanos (pelos vistos consideram que o Deus único se manifesta em três emanações - a Porta, o Nome e o Significado - o que para a maioria dos muçulmanos é politeísmo), e só a partir da altura em que começaram a mandar no país em que foram aceites como verdadeiros muçulmanos - se o EI ou a Al-Qaeda ganharem a guerra civil, não me admirava que voltassem ao estatuto de minoria religiosa perseguida. [O xiismo parece particularmente dado a dar origem a obscuras denominações religiosas que ninguém sabe bem se devem contar ou não como muçulmanos, atribuindo natureza divina a Fulano ou Beltrano]

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