03/05/17

3 de maio de 1937

Há 80 anos, em Barcelona, a "Guarda de Assalto" (a policia da República) tentou tomar o controlo da central telefónica, controlada pelos anarquistas.

Nesse dia, e em resposta, rebentam confrontos por toda a cidade, opondo, de um lado, a polícia e os Comunistas (o PSUC - Partido Socialista Unificado da Catalunha), e, do outro, os anarquistas e o POUM (Partido Operário de Unificação Marxista, um partido reunindo várias facções dissidentes do movimento comunista); nos primeiros dias de combates, até se poderá dizer que a aliança anarquista-poumasista terá levado a melhor, mas face aos apelos dos anarquistas Garcia Oliver e Federica Montseny (ministros do governo republicano) para "cessar-fogo", e também com a vinda de reforços de de outras localidades para apoiar a polícia, os comunistas acabaram por controlar  a situação, terminado os combates a 8 de maio.

O resultado imediato do desfecho das "jornadas de maio" foi a substituição de Largo Caballero por Juan Negrin na presidência do governo da Repúblico e a saída de Oliver e Montseny do governo, com o reforço dos poder dos comunistas e da ala direita do PSOE, em detrimento dos anarquistas e da ala esquerda dos socialistas, e o acentuar do refluxo das transformações revolucionárias que haviam ocorrido na Espanha republicana (ou pelo menos na Catalunha e em Aragão).

Meses mais tarde, o POUM será ilegalizado sob a acusação de que os acontecimentos de maio terão sido uma tentativa de golpe de Estado, sendo o seu líder, Andrés Nin, assassinado.

[Como resultado não imediato, poderá ser considerada quase toda a obra posterior de George Orwell, combatente na milícia do POUM, que, a começar pela Homenagem à Catalunha - onde narra os acontecimentos atrás referidos - e a acabar n'O Triunfo dos Porcos e em 1984 - se calhar os únicos livros que muita gente conhece dele - anda largamente à volta do tema do comunismo "oficial" como traidor da revolução e no final similar ao capitalismo e ao fascismo]



Na Homenagem..., Orwell apresenta a clivagem que na altura mais dividia o POUM e os comunistas ortodoxos:
A «linha» do PSUC, pregada na imprensa comunista e pró-comunista de todo o mundo, era aproximadamente a seguinte:

«Presentemente a única coisa que interessa é ganhar a guerra; sem vitória na guerra tudo o mais não tem significado. Portanto este não é o momento em se falar em andar para a frente com a revolução. Não nos podemos dar ao luxo de alienar os camponeses, impondo-lhes a colectivização , assim como não nos podemos dar ao luxo de assustar e permitir que se afaste a classe média, que combateu ao nosso lado (...). Quem tentar transformar a guerra civil numa revolução social estará a fazer o jogo dos fascistas e será de facto, se não em intenção, um traidor»

A linha do P.O.U.M. divergia desta em tudo, excepto, evidentemente, na importância de ganhar a guerra. (...) A sua «linha» era mais o menos a seguinte:

«É tolice falar em oposição ao fascismo por meio de uma "democracia" burguesa. "Democracia" burguesa é apenas um nome diferente do capitalismo, assim como o fascismo. Lutar contra o fascismo em nome da "democracia" é lutar contra uma forma de capitalismo em nome de uma segunda, susceptível de se transformar na primeira em qualquer momento. A única verdadeira alternativa contra o fascismo é o governo dos trabalhadores. Se aceitarmos qualquer objetivo que fique aquém deste, das duas uma, ou entregamos a vitória a Franco ou, na melhor das hipóteses, deixamos o fascismo entrar pela porta das traseiras. A guerra e a revolução são inseparáveis»

(...) Portanto, de uma maneira geral, o alinhamento de forças era o seguinte: de um lado, a C.N.T.-F.A.I., o P.O.U.M. e uma fação dos socialistas, defendendo o governo dos trabalhadores; do outro, a facção direitista dos socialistas, os liberais e os comunistas, defendendo um governo centralizado e um exército militarizado.
[Eu sei que é uma situação que não tem nada a ver, mas isto faz me lembrar as discussões sobre a segunda volta das presidenciais francesas]

1 comentários:

Pedro Viana disse...

Olá Miguel,

Também a mim me faz lembrar a discussão sobre as eleições em França. Há quem insista que nos rendamos ao capitalismo, contra o fascismo, ignorando (ou escondendo?) que são duas faces da mesma moeda, formas de exercício do Poder em diferentes momentos da evolução histórica. É quando o fascismo se ergue que mais alto soam os apelos ao "mal menor". Até que, quando este está prestes a tomar o Poder (porque, também, quem mais se lhe poderia opôr foi forçado a capitular, mais que não seja, no domínio do simbólico), os que antes apelavam dividem-se entre os ignorantes (não estou a ser pejorativo), que a todos passam a culpar menos a si próprios (podíamos tomar Rui Tavares ou Teresa de Sousa como exemplos), e os aproveitadores, que se juntam ao novo Poder em ascensão (podíamos tomar Paulo Rangel ou Manuel Carvalho como eventuais exemplos).

A verdadeira resistência, a verdadeira transformação, é feita nas ruas, nos campos, nas fábricas, nos escritórios, nas escolas. Não no Estado. Não com as mãos no Poder de Estado.

Abraço,

Pedro