13/05/17

O Golpe Eleitoral de Theresa May e dos conservadores. Será que o Labour e Corbyn sobrevivem? O que está afinal em jogo?

Toda a gente sabe que Theresa May  ocupou o lugar de primeiro-ministro, em consequência da demissão de Cameron após a vitória do BREXIT, não se submetendo ao voto popular. Toda a gente sabe que May recusou repetidas vezes a realização de eleições antecipadas. Como recorda o Guardian essa recusa veemente prolongou-se até ao passado dia 18 de Abril.
Invocando a necessidade de ter um maior  apoio para a batalha do Brexit, May veio anunciar a realização de eleições gerais antecipadas no dia 8 de Junho.

Todaa gente sabe que a opção foi determinada por puro oportunismo politico. As sondagens davam, à data, uma vantagem colossal aos Tories, em parte fruto das trapalhadas em que Corbyn se deixou enredar depois da derrota do "Remain and Refom" que defendia - timidamente, é justo reconhecer - a permanência na UE e a  reforma do espaço comum europeu.

May não resistiu à expectativa de uma vitória eleitoral próxima e à possibilidade de humilhar o Labour e a  liderança mais à esquerda da sua história recente. Pretendeu retirar tempo ao líder trabalhista para desenvolver as suas politicas e divulgá-las como parecia ser a estratégia por ele adoptada.

Owen Jones teve, por isso, razão quando afirmou que não se pode confiar em Theresa May. Estamos perante uma politica cuja palavra pouco ou nada vale. O oportunismo politico de May, que fez campanha contra o BREXIT, faz dela a primeiro-ministra que lidera uma versão  "Hard-Brexit", que constitui  uma séria ameaça aos direitos sociais dos cidadãos e ameaça privatizar o que resta do sector público. Oportunismo que a levou a desencadear uma feroz campanha centrada nos ataques pessoais a Corbyn -e ao seu carácter pacifista que é apontado como uma ameaça para o Reino Unido - ao mesmo tempo que recusa qualquer debate televisivo com ele. Muitos se interrogam sobre o real significado desta estratégia. Neste sentido a apresentação que Corbyn fez sobre a sua politica externa veio colocar os pontos nos is e desmentir parte das calúnias veiculadas pelos conservadores. Corbyn negou a abordagem dos Tories que ele resumiu na frase  "bombardear primeiro dialogar depois".
Qual a razão para que a actual primeiro-ministra se recuse a realizar acções de campanha abertas optando por sessões em que o acesso é condicionado e os próprios jornalistas têm dificuldade em estar presentes? Medo, é a única resposta adequada. Medo de que, tal como nas repetidas sessões de perguntas ao Primeiro Ministro , Corbyn evidencie as fragilidades da politica seguida pelos Conservadores, agravadas por May, e mostre que há uma alternativa, que ele resume num Reino unido para Todos e não apenas para alguns. Medo de que as sondagens, tão reconfortantes, não traduzam afinal a realidade que as urnas ditarão.

Mas, sejam quais forem os defeitos de May e dos Tories, o Labour tem a responsabilidade de liderar uma alternativa. Um partido que desde as últimas eleições gerais escolheu uma nova liderança que representou um corte com o seu posicionamento politico de décadas, que representa, aliás, uma inequívoca viragem à esquerda, que depois disso viu essa liderança ser questionada internamente a partir dos seus deputados e teve a oportunidade de a reafirmar, que viu o número de militantes aumentar transformando-o num dos maiores partidos europeus, não pode deixar a pairar dúvidas sobre qual a razão pela qual não consegue apresentar-se ao cidadãos como uma alternativa de governo e tão pouco o seu líder é aceite como um potencial primeiro-ministro.

Apesar das propostas que defende, nomeadamente uma economia para todos e o combate à desigualdade, com um conjunto de medidas relevantes, aparentemente isso não o torna mais estimado pelos eleitores.

Já aqui escrevemos sobre os nefastos efeitos que o posicionamento de Corbyn face ao BREXIT teve na sua credibilidade. Ainda agora no arranque da campanha o líder do Labour sentiu necessidade de recusar um novo referendo caso vença as eleições. Apesar do resultado ter mostrado que há uma divisão clara, e uma quase igualdade, entre aqueles que queriam sair e os que defendiam permanecer. Donde virá esta inflexibilidade de Corbyn? Provavelmente das suas convicções profundas sobre a Europa. A ser assim uma das partes mais interessantes do seu discurso politico, a necessidade de reformar a Europa, colocando os direitos dos cidadãos e dos trabalhadores no centro da politica, e o combate ao neoliberalismo instalado nas instituições europeias, era apenas retórica.
Os seus potenciais eleitores não lhe perdoarão politicamente. Cerca de dois terços dos eleitores do Labour votaram pelo Remain, sendo que alguns sectores operários de zonas muito flageladas pela globalização, optaram pelo Brexit.

Arrancou nestes últimos dias a campanha. Depois de dias e dias de uma critica impiedosa ao Labour e ao seu líder, em que se vaticina uma derrota histórica, as coisas parecem começar a mudar um pouco no terreno e no campo do debate politico. Dada a falta de comparência dos Conservadores para esse debate o Labour está a optar pelo contacto do seu líder com os cidadãos um pouco por todo o Reino Unido. Esse é o seu estilo e o que melhor se adapta à sua proposta politica de serem os cidadãos a decidirem do seu futuro, pela participação e  não apenas através do voto.

A forma como a situação está a evoluir no terreno, o crescente debate em torno das propostas do Labour concretizadas no seu Manifesto Eleitoral*, levam alguns a afirmar que o destino do Labor ainda  não está traçado.   A analogia com a campanha de Bernie Sanders é perfeita. Tal como Sanders, Corbyn destaca-se pelas suas convicções, pela sua coerência e pelas suas características,  exaltadas como  negativas pelos média: velho, radical de esquerda, sem carisma, pacifista, internacionalista, em suma inelegível para primeiro-ministro.

O Manifesto do Labour foi objecto de uma inesperada divulgação pública antes de Corbyn o ter divulgado numa convenção marcada para o efeito. A intenção foi mais uma vez desacreditar o líder trabalhista e explorar o efeito presumidamente  negativo de muitas das suas propostas. Ora parece que o tiro saiu pela culatra aos autores do Manifestoleaks. O que está a acontecer é exactamente o contrário. As mais deversas reacções, e as  sondagens, mostram que as propostas que o Labour apresenta sob  a mensagem de campanha " For the Many not the Few" gozam do apoio da maioria dos eleitores. Corbyn não deixou de aproveitar o impacto causado pela divulgação de partes do Manifesto para salientar que as politicas nele impressas irão permitir melhorar a vida das pessoas.

Que propostas assim tão importantes merecem referência no manifesto eleitoral dos trabalhistas?  A nacionalização dos caminhos de ferro, cuja degradação com os conservadores tem sido escandalosa. A nacionalização dos correios e de parte das empresas que constituem o sistema energético do Reino Unido. Além destas medidas o líder do Labour promete abolir as propinas no ensino superior e apoiar as famílias carenciadas na educação dos seus filhos, através de alimentação escolar gratuíta e de acesso gratuito a todo o material escolar.
Outra das medidas emblemáticas do Manifesto é a proposta de uma nova politica de Habitação. Um milhão de novas casas em cinco anos, 500 mil das quais serão "affordable housing" construídas pelo sector público. A crise na habitação é uma das mais trágicas heranças dos governos conservadores. Há milhões de pessoas afectadas por essa  politica. A aposta de Corbyn é um elemento politico fulcral para um partido que defende uma politica alternativa ao neoliberalismo e que quer colocar os interesses das pessoas em primeiro lugar. Trata-se de uma aposta que ajuda a perceber que Corbyn não está apenas no campo da retórica e que quer retirar ao Mercado a liderança da politica devolvendo ao Estado o seu papel líder na condução da economia em benefício de todos os cidadãos. Isso mesmo foi salientado por Owen Jones.
Acresce um conjunto relevante de medidas na área fiscal e da redistribuição da riqueza, com destaque para o aumento do salário mínimo para 10 libras/hora e diminuição da carga fiscal sobre as classes populares acompanhadas do aumento de impostos para os mais bem pagos e para as empresas.

As sondagens mostram a enorme aceitação destas propostas e evidenciam que essa aceitação não se reflecte directamente na aceitação de Corbyn como eventual primeiro-ministro.

Há várias explicações para este facto. Uma delas, admito eu,  é a de que as sondagens sejam incapazes de medir a adesão popular do líder trabalhista, construida com base na sua coerência, na sua honestidade, através de um contacto pessoal, mais lento, mas muito mais eficaz. Trata-se de desconstruir um tipo de liderança em que o líder se coloca acima das massas, inacessível, salvo em ocasiões específicas para glorificar os seus feitos, e propôr em alternativa uma relação face a face, olhos nos olhos, que ajude a promover a participação de todos, em pé de igualdade, na construção das politicas e nas decisões relevantes sobre o futuro comum.
Chomsky, numa entrevista ao Guardian adianta outras explicações; uma hostilidade não disfarçada dos grandes orgãos de informação para com Corbyn; o facto deste não ser um líder carismático, à moda de Obama ou de Tony Blair e outros que, através da palavra, conseguiam electrizar as massas; o facto de ter contra ele a maioria dos deputados do próprio partido que em campanha não apoiam as suas propostas e as sabotam. Isso não impede o pensador americano de apoiar Corbyn e de estabelecer as comparações com Sanders no outro lado do Atlântido.
Claro que na generalidade da imprensa internacional,  de que a portuguesa não é excepção, enfatiza-se o carácter potencialmente catastrófico da actual liderança do Labour. Ignorando a história e a história recente do partido, antes da chegada de Corbyn à liderança. Esse erro não cometeu Ken Loach, o celebrado realizador de I Daniel Blake quando escreveu no Guardian so bra o passado recente do partido. Mas a História não é para todos, muito menos para um jornalismo que não é mais do que a voz do dono.

Mas jogará aqui nestas escassas semanas que nos separam do dia 8 de Junho a opção que muitos eleitores farão acerca da importância do seu voto para impedirem uma vitória esmagadora dos Conservadores com todas as consequências que isso pode acarretar.

O que está em jogo é a possibilidade de um líder politico de esquerda assumir a liderança de um dos maiores partidos socialistas europeus e assumir a liderança de um dos páises mais poderosos e mais desiguais do mundo. O que está em jogo é a possibilidade de um projecto politico que rompe com décadas de submissão ao neoliberalismo mostrar que pode vencer eleições legislativas no coração da Europa do capital, da Europa em que os interesses financeiros se sobrepõem aos interesses das pessoas e os esmagam. Projecto que rompe com a economia da desigualdade, com a submissão do Estado aos interesses do Mercado, que quer colocar os cidadãos no centro da politica e devolver aos cidadãos o direito à cidade. Projecto, como se mostra no Manifesto eleitoral, que é viável sem que isso acarrete um agravamento das contas públicas.

Caso Corbyn vença - o que é dificil mas não impossível - o Reino Unido rompe com décadas de sucessivas lideranças politicas que colocaram em primeiro lugar os interesses dos mais poderosos e agravaem as condições de vida dos restantes. Isso representará uma esperança para a democracia. Não posso deixar de referir como me desagrada  o facto de essa mudança - a acontecer - não ser feita no contexto de um Reino Unido membro da UE. O efeito notável que isso teria numa mudança politica na União e o efeito de contágio sobre os restantes partidos socialistas poderia ser o facto politico mais importante das últimas largas décadas.


*  -  O Manifesto foi alvo de uma divulgação prévia não autorizada. A versão oficial apenas será divulgada na próxima quinta-feira.



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