18/05/14

Quarta e última parte de "Sobre a Esquerda e as Esquerdas" do João Bernardo no Passa Palavra: o separar das águas


O Passa Palavra publicou hoje a quarta e última parte do ensaio-manifesto "Sobre a Esquerda e as Esquerdas" do João Bernardo. Importa, a meu ver, sublinhar sobretudo a grande conclusão que, de algum modo aflorava já em boa parte dos considerandos, mas que nesta última parte se precisa e define mais radicalmente: ou seja, que a alternativa às relações de poder vigentes nos actuais regimes capitalistas passa por aquilo a que o João Bernardo chama a "democracia revolucionária" e entende como um processo de transformação radical das instituições económicas e políticas que organizam e governam as sociedades de hoje.

O facto de o João Bernardo falar em "democracia revolucionária" tem um alcance político ao mesmo tempo imediato e profundo. Com efeito, assinala a necessidade de opormos às relações de poder capitalistas e burocráticas, não a ausência de instituições ou de poder político, mas a democratização das instituições e do exercício do poder político — como as suas reflexões sobre o dinheiro e o mercado demonstram em termos perfeitamente concludentes. E, no mesmo lance, esta última parte do ensaio-manifesto ilustra, com uma lucidez renovada, a actualidade da velha palavra de ordem da Internacional, de múltiplas maneiras recalcada por aquilo a que o João Bernardo chama a concepção punk da democracia: "não mais deveres sem direitos / não mais direitos sem deveres".

Por escrúpulo de consciência, esclareço que, tal como eu, muitos dos que se sentirão reconfortados por estas e outras conclusões do João Bernardo poderão ter dúvidas a respeito de uma ou outra formulação sobre a produtividade e a abundância presentes no texto (falar de assegurar mais e melhor do que o capitalismo a "abundância" exigiria, a meu ver, que se precisasse melhor o que se entende por esta: abundância de quê e para quê, etc. etc.). Mas, embora me pareça que importa discutir melhor questões deste tipo, julgo que isso só terá a ganhar se for feito sem perdermos de vista, os que nela estamos apostados, a prioridade de uma plataforma política como a que, no essencial, a "democracia revolucionária" do João Bernardo permite, ao mesmo tempo, abrir e tornar critério de "separação das águas".

2 comentários:

Niet disse...

" Democracia revolucionária " como sinónimo de democracia directa? Tal desideratum , pilar minimo da criação dos Conselhos Operários, engloba e articula taxativamente também a necessidade incontornável de enraizamento socio-laboral, a autogestão e a abolição das normas de trabalho. Tudo itens postos em acção, quer na Revolução Húngara de 1956, quer em Maio 68.Niet

Anónimo disse...

Ora, a abundância além de permitir ter uma vida melhor é precisamente o que torna menos ameaçadora a possibilidade de os tais mecanismos de mercado e dinheiro propostos não se transformarem em fontes de desigualdade e opressão. Este último ponto preocupa-me bem mais na exposição. Digamos que sinto-me muito mais preparado a aceitar um Estado radicalmente democrático que elimine o mercado e o dinheiro que a aceitar a existência destes últimos sem Estado.
Em todo o caso, a abundância permite tornar mais plausível que esses mecanismos sejam, de facto, apenas mecanismos de difusão de informação por todo o sistema.

Um Impressionista.